sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Essa tal de Lica Moniz...

Foto: Kiki Moniz

Em um período do ano que costumamos falar do que se tem de melhor, não poderia escolher momento mais propício para traçar algumas linhas sobre a artista plástica Lica Moniz.
O cerne de sua produtividade tem uma forte ligação com o mar, elemento que deu suporte às suas duas últimas exposições. Estas, sob meu olhar, se complementam magnificamente.
Tempo de Fundo coagula o seu processo de Mestrado, pontilhado por uma crescente maturidade acadêmica e pessoal. É tangível as relações filosóficas e embasamento teórico na sua poética visual. Mesmo se tratando de fragmentos do espaço marinho, a leitura geral é concisa e faz uma ponte sólida entre o mar real e o virtual.
O Projeto Maraldi é um site specific que agrega a arte e a ciência de forma mais explícita, aqui representada pela arqueologia subaquática. Saindo dos espaços tradicionais e ressignificando um naufrágio, esta obra reverte os conceitos expográficos e revela o aumento de subjetivação que a artista delineou em Tempo de Fundo. Com o espaço marcado por luzes estanques, faz de um ponto o símbolo representativo da imensidão do mar e das possibilidades de acervo que ele guarda.
Com uma habilidade sutil de relacionar o micro e macro físico, de pensar em paralelo o coletivo e a solidão humana no mar psicológico, eis que vejo o melhor dessa ontogênese: a transformação de elementos triviais em arte.
Parabéns, Mergulhadora-Artista. Diante de tantas poças rasas que chapinhamos por aí, encontrar a profundidade do seu trabalho é digna de aplausos...
Tempo de Fundo 2. Foto: Kiki Moniz
Projeto Maraldi. Foto: Rafael Martins

domingo, 12 de dezembro de 2010

“Há sempre um copo de mar...”, só não sei se dá para navegar...


Arquivo pessoal - Tentando entender o mapa da  Bienal...
Patchwork como técnica é muito interessante, principalmente quando une elementos dos mais variados conceitos. Mas quando a linha de costura não une os pedaços, o trabalho não acontece de fato. E é assim que chega ao final a 29ª Bienal de São Paulo: uma colcha de retalhos desalinhavada, com R$30 milhões gastos em investimentos, 530 mil visitantes, um tema truncadamente explorado, e polêmicas estranhas, de urubus a luzes de néon.  As obras aconteceram individualmente, na sua razão de ser e estar como arte...logo, políticas por si. Algumas com excelente aporte conceitual, como o audiovisual  My African Mind, do angolano Nástio Mosquito, e o quase invísivel Apolítico, do cubano Wilfredo Prieto - instalação de bandeiras de vários países em preto e branco, tremulando ironicamente na frente do pavilhão. Outras já não foram tão felizes, como a versão “loja de departamentos” da obra Ninhos, de Hélio Oiticica, ou o Círculo de Animais , do chinês Ai Weiwei, onde de política ficou a trajetória do artista, a obra, quase que fofinha. Ainda estou tentando entender se o tema circunda o substantivo adjetivado Arte Política, ou se Arte e Política encontram-se substantivamente separados...Desconsiderando a dúvida e  lendo de forma crua a intenção dos curadores, o que resta de emblemática desta edição, acredito eu,  é a obra Abajur, de Cildo Meireles... Quando se trata de uma exposição do porte de uma Bienal, a costura precisa ser evidente, com linhas grossas, coloridas e bem apertadas, senão entre as folgas ficam visíveis o excesso quantitativo que não representa qualidade ou a museografia ineficiente. Ressalvo aqui o intuito da curadoria em dar liberdade ao visitante para fazer o seu circuito, mas sinalização adequada é status quo para um bom aproveitamento de qualquer acervo...
A minha deliciosa surpresa não veio deste megaevento de artes visuais tão esperado, e sim da Paralela 2010, que aconteceu nos galpões do Liceu de Artes e Ofícios. Ali sim arte e política (ou Arte Política) estavam a là overlock, sob o sugestivo nome de “Contemplação do Mundo”. Reuniu trabalhos das principais galerias do país, com obras de 82 artistas. Mesmo com o tema considerado  aparentemente vago  por alguns e a curadoria sofrendo a pressão tradicional de uma mostra neste formato, o resultado final dá um panorama eclético em suportes, mas em uníssono com a reflexão sobre a produção contemporânea. Ah, e claro, uma museografia simples, direta e que funcionou. Deixo aqui, no copo da Paralela 2010, este outro verso de Jorge de Lima, cujo Invenção de Orfeu canta "o poder de navegar, mesmo sem navios /mesmo sem ondas no mar".