quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Exposição no MoMA mostrou que op era pop.

Matéria de Cassiano Elek Machado originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 4 de dezembro de 2012.

Criado em 1929, pouco depois do "crash" da bolsa local, o Museu de Arte Moderna de Nova York só teve sua primeira exposição de grande público em 1965.
Foi "Responsive Eye" (olho receptivo), uma das mostras mais importantes da história da op art. "Dezenas de milhares de pessoas já vieram", diz em tom grave o jornalista Mike Wallace em documentário sobre a exposição feito em 1966 por um estreante Brian de Palma.
O filme, que é exibido na mostra "Buzz", comprova uma das teses de Vik Muniz sobre a arte ótica.
"É uma das artes mais acessíveis. Qualquer um gosta, independentemente de sua formação."
A Bienal de Arte de São Paulo teve algumas comprovações disso.
Na edição de 1996, por exemplo, o predileto do público, com 37% dos votos, foi o venezuelano Jesús Soto. Tanto ele quanto o outro grande pioneiro venezuelano da arte op, Carlos Cruz-Diez, estão representados em "Buzz".
A mostra também traz obras de precursores nacionais (e mundiais) no gênero, como Abraham Palatnik (1928) e Almir Mavigner (1925).
Este último, radicado desde os anos 1950 na Alemanha, foi o único brasileiro a participar de "Responsive Eye", no MoMA.
"São dois gênios da arte brasileira, ainda sem o crédito adequado", diz Vik Muniz.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Marcius Galan vence o Prêmio Pipa


Matéria de Audrey Furlaneto originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Globo em 26 de novembro de 2012.
Artista questionou ‘contrato’ da arte em mostra no MAM

Um dos principais prêmios de arte do país, o Pipa (Prêmio Investidor Profissional de Arte) anuncia hoje o vencedor de sua terceira edição, Marcius Galan. O artista, cujas obras questionam limites físicos e imaginários, foi o escolhido num processo iniciado no início do ano e que atraiu 117 candidatos de todo o país. Pelo prêmio, ele receberá R$ 100 mil e uma residência artística em Londres.
Nascido em 1972, nos Estados Unidos, e trazido pelos pais para Bauru quando tinha 1 ano, Galan é um dos principais nomes de sua geração. Já participou da Bienal de São Paulo, expôs no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio e no de São Paulo e fez várias individuais em galerias mundo afora.
Na exposição dos quatro finalistas do Pipa no MAM (além dele, disputaram a final Thiago Rocha Pitta, Matheus Rocha Pitta e Rodrigo Braga), o artista mostrou “Obra de arte em cinco vias e um contrato”, trabalho que ironiza as próprias regras de participação do prêmio e a mercantilização do mundo da arte.
A obra consiste em cinco folhas impressas que reproduzem uma nota fiscal, em cores variadas, destinada a pessoas e instituições diferentes: o MAM, o patrocinador do prêmio, curadores, público e artista. Junto, um contrato lista cláusulas de uso e comercialização, segundo as quais as obras podem ser doadas separadamente, mas vendidas apenas em conjunto.
O trabalho, enfim, obriga os envolvidos a entrarem num acordo sobre seu fim. Ao GLOBO, o próprio artista definiu a obra como “extremamente burocrática, uma crítica à organização da arte”.
No mesmo MAM, Galan apresentou, em 2010, a exposição “Interseção”. Nela, fazia o som de um lápis sobre uma página tomar o ambiente do museu. Uma de suas obras, “Seção diagonal”, de 2008, pode ser vista em Inhotim, dentro da galeria Mata. Lá, dividiu o ambiente com placas de vidro, alterando, assim, a percepção do espaço que o espectador tem num canto da galeria.
Além do prêmio principal, o Pipa divulgou recentemente os vencedores das demais categorias. Rodrigo Braga venceu o Voto Popular, no qual só concorrem os finalistas, já que quem vota é o público da exposição em cartaz no MAM. Braga expõe atualmente na 30ª Bienal de São Paulo.
Na categoria Pipa Online, Berna Reale foi a vencedora, com 4.500 votos. A paraense costuma fazer performances, o que já lhe rendeu o apelido de “Marina Abramovic do Pará”. Berna, que também é perita criminal, receberá R$ 10 mil pelo Pipa Online.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Museu 2.0: a arte de ouvir o público

Matéria de Audrey Furlaneto originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Globo em 27 de novembro de 2012.
 
Para sobreviver no século XXI, instituições precisam aceitar opiniões, dizem estudiosos e curadores de todo o mundo em livro organizado por pesquisador carioca

RIO - No colo da dona, o gato se contorce de prazer com as cócegas no pelo acinzentado. Ela interrompe o carinho e solta um gritinho. E o bichano parece responder, exibindo as patinhas rosadas como se pedisse mais. São poucos segundos, mas são segundos hipnóticos. O Walker Art Center, em Minneapolis, nos Estados Unidos, entendeu o poder de um felino em cena. Organizou um festival em seu jardim só com vídeos de gatos no YouTube. Foi a maior audiência do museu: dez mil visitantes num dia.
Na pequena cidade de Santa Cruz, na Califórnia, um museu convidou o público a expor suas memórias em pequenos jarros de vidro. Lotou o primeiro andar com os potinhos de histórias. Também pediu aos visitantes que mostrassem lá suas próprias coleções — e nada da monotonia dos acervos que se levam a sério demais. A vizinhança do Santa Cruz Museum of Art and History coleciona de caveiras de animais e eletrodomésticos a bandeiras da guerra civil americana. Ao envolver o público na instituição, o museu viu a audiência passar de dez mil pessoas em 2011 para mais de 23 mil em 2012.
— O grande salto de um museu atualmente é saber olhar para o público — diz Luis Marcelo Mendes, há 20 anos pesquisador de cultura e branding, que acaba de organizar num livro pensamentos e relatos de experiências bem-sucedidas em museus mundo afora.
“Reprograme” reúne ensaios de filósofos como Alain de Botton, diretores de museus como Nina Simon (à frente da instituição de Santa Cruz, na Califórnia) e consultores como Robert Jones, tido como o “inventor” da marca Tate Modern, de Londres, e do New Museum, de Nova York. Em todos os textos do livro, que a Ímã Editorial lança no dia 11 de dezembro, é consenso: se quiserem sobreviver, no século XXI, os museus precisam aprender a ouvir o público. Ou, como diz Robert Jones em ensaio que integra o livro, um museu não pode ser pensado como uma catedral, mas como um “bazar de troca”.
Experimentação coletiva
O Internet Cat Video Festival, a mostra dos gatinhos no Walker Art Center, é um bom exemplo da nova forma de pensar (e dessacralizar) as instituições. A diretora do museu, Sarah Schultz, conta que o público podia enviar seus vídeos preferidos e que cerca de dez mil pessoas contribuíram com a “curadoria”.
— Os visitantes vinham de outras cidades, havia muitas famílias, gente vestida com fantasia de gato e milhares de pessoas que simplesmente estavam curiosas e não queriam perder a experiência — lembra Sarah, em entrevista ao GLOBO. — O evento nos mostrou o quanto as pessoas querem ficar juntas em tempo real. Isso é, na verdade, a lição mais importante de todo o nosso trabalho com o open field.
Open field é o jardim vizinho ao museu, há três anos usado para projetos colaborativos entre artistas e a comunidade. Lá, há de aulas de ioga a um clube de desenho, com oficinas semanais em parceria com um artista. O programa, diz a diretora do Walker Art Center, tem estrutura simples e custa pouco — o que confirma uma das teorias defendidas por Luis Marcelo Mendes: os problemas de orçamento não podem servir de esconderijo para diretores e curadores de museus. Em geral, ele diz, a saída está numa ideia simples e criativa, como o festival do YouTube ou os potes de memórias.
— As pessoas desejam experimentação coletiva. Inteligentes são os museus que percebem isso. Vá à fila do CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) e você verá que as pessoas quase nunca estão sozinhas. Não se espera quatro horas numa fila sozinho — diz ele, lembrando que a autorização para fotografar pode ser crucial na atração do público. — O barato da mostra do Escher (a mais vista do mundo em 2011, com mais de nove mil pessoas por dia, no CCBB do Rio) era o fato de poder fotografar e compartilhar. Esse é um verbo crucial no museu do futuro.
Um dos consultores do Museu do Amanhã e do Museu de Arte do Rio (MAR), ambos em construção na Zona Portuária da cidade, Mendes lembra experiências como um flashmob no Museu d’Orsay, em Paris. Diante do impedimento de fotografar as obras, um grupo grande de pessoas decidiu fotografar mesmo assim — e todos sacaram seus celulares ao mesmo tempo, deixando a segurança em pânico.
— O museu precisa passar da ideia de autoridade para a ideia de compartilhamento. Ouvir o outro é fundamental — defende, e lança em seguida a questão: — Qual foi a última vez que você foi a um museu no Rio e foi perguntado: “Você gostou da exposição? O que acha que podemos fazer para melhorar?”
Todo o poder ao público
No Brasil, são raros os exemplos de sucesso. Mendes lembra o Museu do Futebol, em São Paulo, onde colecionadores de camisetas dos clubes se reúnem constantemente. “Inteligente", como ele define, o museu poderia simplesmente ignorar, mas “acolhe” as reuniões e ganha mais adesão do público. São de São Paulo também outras experiências positivas segundo ele, como a Pinacoteca e o Museu da Língua Portuguesa. No Rio, ele lamenta, os museus ainda engatinham no relacionamento com o público.
— A programação do MAM (Museu de Arte Moderna) é incrível, o trabalho de curadoria (de Luiz Camillo Osorio) tem sido espetacular, mas ir ao museu ainda é uma experiência ruim. Você precisa lidar com flanelinhas, moradores de rua, há lixo no entorno, o restaurante é caríssimo, o café nem sempre está aberto... — lista ele.
O sentido é um tanto oposto ao de marcas consagradas na cultura mundial, caso do MoMA, em Nova York. Valendo-se de seu próprio prestígio, o museu criou exposições como a “I went to MoMA and...” (“Eu fui ao MoMA e...”), em que o público era convidado a relatar suas experiências no museu. O material foi usado não só para cobrir as paredes internas da instituição, mas também como cartaz publicitário nas ruas da cidade. Menos barata, mas não menos atraente, foi a experiência de levar ao museu, em abril deste ano, o grupo alemão Kraftwerk, pioneiro da música eletrônica, para apresentar seus oito álbuns em sequência.
— Que outra instituição no mundo faz isso? Precisamos entender que há coisas que só o museu pode fazer. Por que 74 mil pessoas vão à ArtRio (em quatro dias) e não vão ao MAM? O que tem ali que não tem no MAM? — pergunta ele, para em seguida responder: — É um tipo de experimentação para o padrão das pessoas.
Outro exemplo de “compreensão do outro” na museologia se deu em Denver, no Colorado, estado americano que tem a criação de gado entre as principais fontes de renda. Seu museu de arte contemporânea percebeu que, para que o público abraçasse a instituição, era preciso “expor” o que o povo de Denver tem em comum: o gosto por carne. Estava criada a ideia da mostra “Art meets beast”, que levou vários “artistas” da carne (açougueiros, cozinheiros...) ao museu para exibir sua “arte” e conversar com o público.
— O museu precisa entender o que é valioso para o outro, e não para si mesmo. No museu do futuro, todo o poder emana do povo.