segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Mulheres dominam o cenário curatorial

Matéria de Juliana Monachesi originalmente publicada na Revista Select em 14 de agosto de 2012.

Depois de Bice Curiger em Veneza (2011) e Carolyn Christov-Bakargiev em Kassel (2012), Porto Alegre acolhe uma curadora mexicana
Sofía Hernandez Chong Cuy é anunciada curadora-geral da 9ª Bienal do Mercosul

A Fundação Bienal de Artes Visuais do Mercosul anunciou na segunda-feira a equipe curatorial da próxima edição da bienal de Porto Alegre. Com curadoria-geral da mexicana Sofía Hernandez Chong Cuy, os curadores brasileiros Mônica Hoff, Bernardo de Souza e Julia Rebouças trabalharão junto de outros três curadores internacionais, Raimundas Malašauskas (Lituânia), Sarah Demeuse (Bélgica) e Daniela Pérez (México). Também integra a equipe o conselheiro pedagógico Dominic Willsdon (Reino Unido).
O foco da proposta curatorial para a 9ª edição da Bienal do Mercosul, que acontece de setembro a novembro de 2013, será a interação entre natureza e cultura, explorando as causas e os fenômenos naturais que impulsionam viagens e deslocamento humano, avanço tecnológico e desenvolvimento mundial, além das expansões verticais no espaço e explorações transversais ao longo do tempo. Sob essa ótica, os artistas serão considerados nos papéis de colaborador, mediador ou exilado.
Está prevista a participação de cerca de 90 artistas de diversos países - considerados no projeto como "visionários do passado, do presente e do futuro". Os espaços onde ocorrerá a mostra, incluídos na carta de intenções da curadora mexicana (leia a seguir), são Usina do Gasômetro, Santander Cultural, MARGS – Museu de Arte do Rio Grande do Sul, Centro Cultural CEEE Erico Verissimo. Fica a pergunta acerca dos tradicionais galpões do Cais do Porto: serão excluídos nesta edição?
Promessas: Declaração da Curadoria
Sofía Hernandez Chong Cuy
A proposta curatorial para a 9ª Bienal do Mercosul foca conceitualmente na interação entre natureza e cultura, e os modos como os artistas visuais referem-se ao desconhecido, ao imprevisível e aos fenômenos aparentemente incontroláveis. A curadoria empenha-se em considerar as causas naturais e os efeitos que impulsionam a viagem humana e o deslocamento social, o avanço tecnológico e o desenvolvimento do mundo, as expansões verticais no espaço e as explorações transversais através do tempo. Isso envolve o olhar sobre os efeitos que esses movimentos impõem, suas influências e manifestações, abrangendo moradia, mineração, investigação e exploração daquilo que está acima e abaixo das esferas sociais.
A promessa é articular questões ontológicas e tecnológicas através da prática artística, da criação de objetos e dos elos de experiência.
Os artistas convidados a participar da 9ª Bienal do Mercosul são considerados visionários do passado, presente e futuro. Assim sendo, a proposta curatorial está organizada em três abordagens que analisam as práticas artísticas. Essas aproximações consideram a figura do artista e intelectual como um colaborador, um mediador ou um exilado. Em cada abordagem, eles são vistos como produtores: criadores de imagens, objetos, histórias e situações, e também de tempo e de espaço e, em alguns casos, de definitivamente nada. Como um enfoque abertamente contingente aos distúrbios atmosféricos, esse processo envolve diálogos constantes sobre o que é imaginário e o que é real, o que é visto e o que é invisível, o que é imperceptível e o que é palpável.
A promessa é identificar, propor e repropor sistemas de crenças mutáveis, bem como analisar inovações.
As exposições e programas da 9ª Bienal do Mercosul estão focados nas culturas de trabalho existentes e imaginadas – incluindo aspectos de isolamento e abertura, assim como de privacidade ou publicidade – em processos que envolvem a experimentação da arte e da tecnologia. De forma semelhante, convergem o olhar para a apresentação de mecanismos e ambientes espaciais nos quais insights e descobertas são criados e
compartilhados publicamente. Além de avaliar processos, as exposições valorizam as iniciativas sustentáveis e também admitem a entropia iminente. Ao fazê-lo, a curadoria aborda arte e ideias como portais, ferramentas e provocações – tanto funcionais quanto inúteis – à experiência de manifestações culturais e naturais possivelmente ainda não reconhecidas.
A promessa é descobrir recursos naturais e materiais culturais sob uma nova ótica, especulando as bases que têm marcado as distinções entre a descoberta e a invenção.

sábado, 25 de agosto de 2012

Análise: É possível reduzir riscos para manter obras de arte.


Matéria de Marcos Augusto Gonçalves originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 15 de agosto de 2012.

E as chamas levaram "Samba", obra realizada depois da fundamental viagem de Di Cavalcanti a Paris e três anos após a Semana de Arte Moderna --evento que nasceu, aliás, de uma ideia do pintor.
'Samba' era obra mais 'poderosa' do modernismo, diz curador
Fogo destrói parte de coleção de arte moderna no Rio
Esse exemplo vigoroso do esforço modernista de configurar uma expressão nacional na arte apareceu num tempo em que as peripécias mais radicais e incomunicáveis das vanguardas eram "corrigidas" por uma onda que se convencionou chamar de "retorno à ordem".
O movimento que revalorizava a figura vinha a calhar para os modernistas interessados em delinear uma temática "nossa". No caso de Di tratava-se de representar o homem, ou a mulher brasileira negra e miscigenada, no contexto da cultura popular.
Para alguns, uma obra-prima como "Samba" não poderia estar em outro lugar que não um museu ou uma instituição pública. Dessa forma estaria mais protegida e acessível ao público.
Embora nem sempre nossos museus mostrem regularmente as preciosidades que possuem, é presumível que, se estivesse num deles, a tela "Samba" poderia ser mais vista. Quanto a ficar mais protegida, já não parece tão certo.
A maior parte da obra do grande artista uruguaio Torres-García foi destruída pelo fogo no Museu de Arte Moderna do Rio. E incêndios em museus, mesmo em países ricos e que dão mais valor a seu patrimônio do que o Brasil, também acontecem.
Diante da tragédia, não é incomum o apelo desesperado a alguma instância salvadora que poderia evitá-la. Pode ser uma divindade qualquer ou o Estado. Não parece razoável, contudo, que o Estado simplesmente "tombe" ou sequestre obras de pessoas que as adquiriram, sob o argumento de que irá cuidar melhor do patrimônio.
Em tese, colecionadores privados são os maiores interessados em manter suas peças em boas condições. Se nem sempre o fazem, é de fato um problema.
Outras soluções podem ser imaginadas. Por exemplo: não seria impossível para um órgão público ou privado mapear obras cruciais como "Samba", entrar em contato com os donos e compartilhar projetos de segurança. É sempre possível reduzir riscos, e tudo deve ser feito nesse sentido. Nada, porém, impedirá que fatalidades continuem a acontecer.

sábado, 18 de agosto de 2012

Incêndio em acervo de Jean Boghici expõe trabalho de colecionadores, por Audrey Furnaleto, O Globo

Matéria de Audrey Furnaleto originalmente publicada no jornal O Globo em 16 de agosto de 2012.
O incêndio coincide com momento em que coleções particulares começam a ser expostas

RIO - Uma coleção particular, como define o curador Paulo Herkenhoff, é uma espécie de “reunião de afetos ao longo de uma vida”. Outro curador, Leonel Kaz, amigo de Jean Boghici, que viu seu apartamento com a coleção ser tomado pelo fogo na última segunda-feira, completa a definição com a lembrança de que “Jean era habitado pelos quadros que tinha, e os quadros eram habitados por ele”. O incêndio do acervo, um das mais importantes de arte moderna brasileira, coincide com o momento em que coleções particulares — ou a “reunião de afetos” de um colecionador — começa a chegar aos olhos do grande público.
O Museu de Arte do Rio (MAR) será o primeiro com espaço fixo destinado a exibir diversas coleções privadas. Já na inauguração, em setembro, duas exposições mostrarão as coleções particulares de Jean Boghici, no terceiro andar (leia mais no texto ao lado), e de Sérgio Fadel, no segundo andar. A ideia é que o museu siga recebendo acervos privados. A coleção de Maria Lucia Veríssimo, por exemplo, deverá vir de São Paulo ao Rio para ser exposta no MAR.
— Queremos manter a casa aberta a Boghici e aos colecionadores de arte — afirma Paulo Herkenhoff, curador do museu. — O grande desafio do Rio não é apenas ter as coleções à disposição dos museus, mas ter um processo de institucionalização das obras. Voltei de Buenos Aires agora e me impressionou seu Museu Nacional de Belas Artes, o mais sólido da América Latina, formado por doações de quatro ou cinco gerações de colecionadores.
O modelo do MAR difere daqueles do Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio, que abriga unicamente a coleção de Gilberto Chetaubriand, e do Museu de Arte Contemporânea (MAC) de Niterói, que recebe a coleção de João Satammini. No MAR, além das coleções privadas, forma-se acervo a partir de doações de colecionadores, também na ânsia de levar ao público suas obras.
Outros exemplos têm surgido no país. Em Ribeirão Preto, o empresário João Figueiredo Ferraz criou um instituto que expões sua coleção de arte contemporânea num espaço de 2.500 metros quadrados. No Rio, o casal Monica e George Kornis, dono da maior coleção de gravuras do Brasil, comprou uma casa para montar um instituto, em Jacarepaguá. Na cidade de São Paulo, o economista Oswaldo Corrêa da Costa, temendo que seu “acervo de 40 anos ficasse estéril, distante dos olhos do espectador”, também criou um espaço para sua coleção, onde recebe visitas com agendamento.
O colecionador Ronaldo Cezar Coelho também planeja abrir um espaço que não será apenas um “showroom” de suas obras, que incluem tesouros da arte brasileira como “Vaso de Flores” (1931), de Guignard — adquirido por ele num leilão da Christie’s em 2009 pelo preço recorde do artista, US$ 759 mil. Ele, que compra as obras em nome de seu instituto, o São Fernando, diz que a ideia é criar um centro de políticas públicas que abrigará arte e será uma incubadora de projetos de educação, ecologia e patrimônio histórico.
Coelho convidou o arquiteto chinês I.M. Pei, premiado com o Pritzker, para visitar sua fazenda, um patrimônio de 1808 em Vassouras, no interior do Rio, e conceber o desenho do espaço, mas o projeto foi adiado: em pesquisas prévias, conta ele, constatou-se que o espaço deveria ser nas capitais do Rio ou de São Paulo. De luto pela tragédia com Boghici, Coelho afirma:
— O apoio ao mecenato no Brasil não existe. Estamos sozinhos nesse trabalho, seja de repatriar obras brasileiras ou de preservá-las. Meu sonho é exibir, tornar a coleção acessível ao público. Aliás, o maior prazer de um colecionador é mostrar seus trabalhos.
Coelho lamenta que no caso do que chama de “repatriação de obras” seja preciso pagar imposto de 35% sobre o valor do trabalho. Ele guarda em Nova York um Frans Post pintado no Brasil e adquirido por ele nos Estados Unidos porque, embora tenha apresentado explicações à Receita Federal, não obteve abatimento no imposto.
Acervos viajam e são vistos
O Estatuto de Museus, por outro lado, estabelece, desde 2009, que coleções de interesse público, seja em museus ou em propriedades particulares, estão habilitadas a receber ajuda do governo.
— Pode-se até questionar a ajuda a um colecionador particular. Mas o que está em primeiro lugar para um órgão de conservação, como o Ibram (Instituto Brasileiro de Museus), é a preservação do bem cultural de referência nacional. O fato de a obra ser particular ou pública é um detalhe — afirma José do Nascimento Júnior, presidente do Ibram. — A obra pode até ter seguro. Mas ninguém vai contratar Di Cavalcanti ou Portinari para pintar de novo. O bem cultural se perde.
O galerista Ricardo Rêgo, dono da Lurixs, lembra que colecionadores, como Boghici, Coelho ou ele próprio, preservam obras para que, em dado momento, sejam de conhecimento público.
— A conservação de uma obra de arte é muito mais garantida nas mãos de um colecionador do que numa instituição. As obras não ficam trancafiadas, mas viajam para exposições e são vistas dentro do próprio apartamento — diz Rêgo, referindo-se à sua coleção, numa cobertura da Avenida Atlântica, que recebe visitas de críticos, curadores e colecionadores internacionais.
O próprio “Samba” (1925), a joia de Di Cavalcanti perdida no incêndio no apartamento de Boghici, é um quadro muito viajado, lembra Leonel Kaz:
— Seu currículo é imenso. Recentemente, esteve na Bélgica. Foi um quadro feliz enquanto esteve vivo.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Paisagem ocupada


Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na seção de artes visuais da Istoé em 3 de agosto de 2012.

Em sua nova exposição individual, a artista paulistana Dora Longo Bahia dá continuidade a sua pesquisa sobre a representação da guerra e da violência pelos meios de comunicação
Imagens claras x ideias vagas – Dora Longo Bahia/ Galeria Vermelho, SP/ até 25/8

Em sua nova exposição individual, a artista paulistana Dora Longo Bahia dá continuidade a sua pesquisa sobre a representação da guerra e da violência pelos meios de comunicação. O interesse pelo tema surgiu há dois anos, quando representou em pinturas sobre chapa de metal os conflitos do Oriente Médio. Agora, nos quatro grupos de pinturas expostas em “Imagens Claras x Ideias Vagas”, a artista mergulha alguns metros mais a fundo na investigação sobre o estatuto da imagem na cultura contemporânea.
Centraliza a exposição um mural em grande escala, pintado sobre a parede, de uma estrada que atravessa uma mata. Essa paisagem, deserta e exuberante, é ladeada por duas pinturas de dimensão monumental, em que a mesma paisagem é ocupada por soldados em um tanque de guerra. Embora à primeira vista essas cenas sejam semelhantes às coreografias de soldados americanos em ação no Iraque ou no Paquistão – imagens do trabalho anterior –, as telas “Ocupação (Alemão)” e “Ocupação (Brasileira)” representam cenas de um conflito brasileiro: ocupação do Morro do Alemão, no Rio de Janeiro. A confusão não é mera coincidência. Por trás do tratamento semelhante conferido à guerra local e à guerra internacional, a artista aponta para a universalidade dos conflitos.
A grande dimensão das telas (4 m x 6 m) remete à monumentalidade da pintura histórica. O que Dora faz aqui é discutir permanência ou efemeridade de fatos jornalísticos transformados em acontecimentos históricos. “A paisagem natural é justamente a imagem mural e efêmera, que será destruída quando a exposição acabar. O que fica são as paisagens ocupadas pela guerra, que foram pintadas sobre tela”, afirma a artista.
Há um niilismo evidente aqui. O que as pinturas dizem é que a guerra prevalece no espaço e no tempo. A segunda série de pinturas, “Desastres da Guerra”, reforça a tese. Inspirada nas gravuras “Los Desastres de la Guerra”, realizadas por Francisco de Goya em 1746, a série é composta por 80 reproduções pictóricas das maiores fotografias de guerra desde o começo do século XX até o 11 de Setembro – legendadas com as frases das gravuras de Goya. “Avançamos vários séculos, mas as imagens de hoje são tão perversas quanto as de Goya”, diz Dora. Tanto no cruzamento com Goya quanto na escolha do suporte dessas pinturas – o pergaminho –, a artista mais uma vez indaga sobre a eternidade dos fatos diante da inconsistência do conhecimento que temos deles.
O título da exposição, extraído de uma cena do filme “A Chinesa”, de Jean-Luc Godard, é mais uma pista para apreender o subtexto que Dora Longo Bahia escreve sobre essas imagens extremamente fortes. São “imagens claras” os desastres que nos invadem e nos atraem diariamente pela televisão, jornais e internet. Muito mais vagas e imprecisas são as ideias que elas carregam. O pessimismo dessa exposição, portanto, não é em vão. Quando confronta as atrocidades da Espanha de Goya ao fim do sonho do soldado republicano espanhol, fotografado no momento da morte por Robert Capa em 1937, Dora produz uma fricção que desperta essas imagens do sono. Como diria Goya, do sono de uma razão que produz monstros.

sábado, 4 de agosto de 2012

Esclarecimentos

Caríssimos seguidores, amigos, torcedores, fãs, pupilos, colaboradores e afins, estamos aqui para comunicar um segundo atraso na publicação do mapeamento, devido a eventos extraordinários na programação do Coletivo. Ainda não divulgaremos a nova data, mas já adiantamos que haverá uma expansão do material, para compensar este contratempo. Continuem nos acompanhando, as Marias estão em plena produção para vocês!