sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Arte não era contemplação, mas sim enfrentamento, diz Waltercio Caldas.


Entrevista de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada no jornal Folha de S. Paulo em 6 de fevereiro de 2013.

Waltercio Caldas é o artista brasileiro que mais fez exposições nos últimos 25 anos.
Ainda assim, cerca de 60% das 84 obras que serão exibidas a partir de quinta-feira (7) na mostra "O Ar Mais Próximo e Outras Matérias", individual de Caldas na Pinacoteca do Estado, nunca foram expostas na cidade.
"Ele pode ser o artista mais visto, mas dificilmente é o mais compreendido", diz o curador da mostra, Gabriel Pérez-Barreiro, diretor da Coleção Patricia Phelps de Cisneros, o maior acervos privado da América Latina.
"É possível conhecer as obras de muitos artistas apenas por sua descrição, mas não é o caso do Waltercio", explica Pérez-Barreiro. "É preciso estar na presença de suas obras para de fato poder conhecê-las."
A diversidade de suportes, materiais e temáticas tornam a obra de Caldas de difícil tradução, extrapolando os rótulos limitantes em geral aplicados a ela, como arte conceitual ou arte minimalista.
"O Ar Mais Próximo e Outras Matérias" passou pela Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, e segue em outubro para o Museu Blanton, da Universidade do Texas, nos Estados Unidos.
Caldas, 66, faz parte de uma geração de artistas surgidos nos anos 1970, como Tunga e Cildo Meireles, que reintroduziu a arte contemporânea no circuito institucional, após rompimento promovido por artistas como Hélio Oiticica e Lygia Clark nos anos 1960 e 1970.
Oiticica e Clark deixaram de criar obras para museus, propondo trabalhos em ambientes não convencionais, como a própria casa do artista ou as ruas da cidade.
"Percebemos que havia uma certa ingenuidade [por parte de Oiticica e Clark] na maneira como tratavam a questão institucional", diz o artista.
Leia a seguir trechos da entrevista à Folha.
Folha - Cerca de 60% de suas obras nesta exposição nunca foram vistas em São Paulo.
Waltercio Caldas - Eu até fiquei espantado quando percebi isso! Muitos trabalhos só foram exibidos fora do país e alguns, feitos há mais de 30 anos, nunca tinham sido mostrados aqui.
Gabriel Pérez-Barreiro selecionou 84 obras, mas muitas ainda ficaram de fora.
A seleção privilegiou uma característica importante do trabalho: a presença individual deles; afinal, cada um tem uma especificidade formal e plástica, já que trabalho com 60 tipos de materiais distintos, e o fato de a relação entre eles ser também importante em minha poética.
Sempre vi meu processo de trabalho como a possibilidade de ampliar a linguagem. E a questão da linguagem, para mim, é a arte: o estatuto do objeto de arte e do objeto em si. Um quadro do Picasso é, na realidade, uma tela esticada em um gabarito de madeira com tinta aplicada.
Sua geração é vista como aquela que passou a criar para espaços institucionais depois que artistas como Hélio Oiticica e Lygia Clark romperam essa relação. Você concorda com essa análise?
Nós percebemos que havia uma certa ingenuidade [por parte desses artistas] na maneira como tratavam a questão institucional, como se houvesse uma utopia, que não seria mais realizável. Nós enfrentamos a instituição dentro de sua estrutura, pensando a inserção das obras como parte do trabalho.
Mas a geração anterior negou instituições de arte, enquanto vocês a afirmaram, não?
Nós percebemos que talvez não houvesse instituições! Eu lembro que quase não havia galerias no Rio, e o trabalho da Lygia Clark seguia apesar de não haver onde mostrá-lo.
Fiz parte de um movimento que pedia a instalação de uma sala experimental no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro para criar oportunidades a artistas vivos e atuantes.
Foi um espaço conquistado. Eu me atrevo a dizer que não havia nem espaço para os neoconcretos. Eles são mais vistos hoje do que naquela época.
Sua geração teria então criado o circuito institucional?
Eu diria que a idade da inocência havia acabado. De certa maneira, nós éramos pessoas inseridas no mundo real. Ao contrário do que se acreditava, de que a arte fosse uma fuga do real, a arte era uma inserção radical e poderosa dentro do real.
A política dizia isso para nós: que não dava para participar do mundo com utopias, mas existia um mundo real a ser conquistado.
Isso trazia uma urgência de atitudes, que não dava para dizer que arte era contemplação, mas sim enfrentamento.
Tanto que você repara aqui, na exposição, que esse enfrentamento se dá a cada obra. É como se eu achasse que a arte fosse não um sistema de empatias, mas um sistema de enfrentamentos.
O curador da mostra disse conhecer seu trabalho há dez anos, mas que, quanto mais se aproxima dele, mais sua obra parece se afastar. É a esse enfrentamento que você se refere?
Eu sinto pelo meu trabalho a mesma coisa que ele. Veja bem, quando se começa, você tem algumas obras.
Dez, 15 anos depois, você tem outra situação, é preciso lutar contra você mesmo.
É preciso conversar com aquelas afirmações que você já fez e acrescentar novas questões, que às vezes duvidam das afirmações já feitas anteriormente.
Neste novo momento, passa-se a acreditar mais em um processo do que em um fim. Nesse sentido, para mim, arte é um processo de que não se sabe de onde vem nem onde vai dar. E, quanto mais ininterrupto for, melhor para o artista.
Arte pode mudar as pessoas?
Sim, porque a arte sempre oferecerá uma nova expectativa de desconhecido para cada um.
A arte seria uma forma de produzir desconhecimento e, por isso, ela é diferente da cultura. A cultura pode viver do que já conhece. A arte jamais.

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