sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Estudo aponta os novos centros da arte no mundo



Matéria de Maria Eugênia de Menezes originalmente publicada no caderno Cultura do jornal Estadão de S. Paulo em 4 de setembro de 2012.

São Paulo é a única representante latina, mas enfrenta o desafio de melhorar sua infraestrutura

Quais são as capitais culturais do mundo? A resposta correta inclui escolhas óbvias. Nenhuma cidade tem tantos cinemas quanto Paris. Ninguém possui tantos museus quanto Londres. E Nova York continua imbatível quando se trata de teatro. Os dados estão no World Cities Culture Report. Maior estudo do gênero já publicado, o relatório confirma o protagonismo dos grandes centros. Insinua, porém, que essa história começa a ganhar novos e importantes personagens.

Se na economia o poder está mudando de mãos, na área cultural a tônica também não é diferente. A pesquisa elege 12 cidades em todos os continentes e torna evidente que as potências da cultura e da arte não estão mais apenas nos Estados Unidos e na Europa. Além das onipresentes Londres, Paris, Berlim e Nova York, aparecem na lista Tóquio, Istambul, Johannesburgo, Xangai, Sydney, Cingapura, Mumbai e São Paulo. A capital paulista é a única representante da América Latina nesse panorama. "As cidades emergentes estão inventando um perfil cultural próprio, que não é o mesmo das cidades europeias e americanas", diz Paul Owens, diretor da BOP Consulting, empresa britânica de consultoria que realizou a pesquisa.

Encomendado pela prefeitura de Londres e divulgado em agosto, o estudo mede 60 indicativos nas áreas de literatura, cinema, artes visuais, artes do espetáculo e em setores novos, como o de games.

Com os dados aferidos em mãos, é possível traçar uma infinidade de rankings. Mas os organizadores frisam que não é essa a intenção. Não se trata de saber quem detém os números mais robustos ou exerce maior influência no universo das artes. "As cidades sempre investiram em cultura por razões de prestígio, para mostrar poder político ou sucesso econômico. Esse era o modelo de desenvolvimento próprio das cidades americanas e europeias no século 19", apontou Owens em entrevista ao Estado.

Hoje, os investimentos em arte não são para exibir pujança econômica. Mas para gerá-la. Essa não é uma ideia nova. Ganhou força no fim do século 20. A atual pesquisa, entretanto, expande e confirma a impressão. Mostra resultados consistentes em cidades como Londres, onde o setor movimenta £ 12 bilhões e emprega 386 mil pessoas. Também deixa no ar a impressão de que, apesar do potencial, São Paulo ainda tem muito a fazer.

"Ao se ver essas questões sob o ângulo restrito apenas ao da cultura, está se perdendo a chance de perceber o impacto que isso pode ter em uma economia do tamanho da cidade de São Paulo", aponta a economista Lidia Goldenstein, especializada em economia criativa. "É a política industrial deste século. O setor mais importante na geração de emprego e renda na sociedade moderna. Estamos muito atrasados na compreensão do que esses setores da economia criativa representam no mundo hoje. Aqui, isso ainda é visto como algo circunscrito à cultura ou às políticas de inclusão social. Muito diferente dos países que estão levando a sério, entre eles a Inglaterra e a China, que colocou o tema no seu plano quinquenal. Esse é um tema de campanha, era o que devia estar sendo discutido, porque é isso que vai definir o futuro da cidade."

Mesmo entre representantes do setor público, reconhece-se a timidez do setor. "A cultura ainda não entrou na agenda política", acredita o secretário municipal de Cultura, Carlos Augusto Calil, que completará oito anos no cargo. "Aqui, a área ocupa um lugar tão inexpressivo que não é levada em conta nas propostas de planejamento. O que foi feito na Colômbia, com a criação de grandes bibliotecas, ou na Venezuela, que tem um projeto musical de nível internacional, só aconteceu porque se tratava de um projeto de governo e não apenas dos órgãos da cultura."

Mesmo sem receber os incentivos devidos, São Paulo tem alguns dados surpreendentes a exibir. Conta, por exemplo, com 869 livrarias, número de lojas superior ao de Londres, que tem 802, ou Nova York, com 750. Outra surpresa: seus cinemas recebem cerca de 50 milhões de espectadores, deixando centros como Tóquio, Londres, Berlim e Cingapura para trás.

Os resultados, porém, não são da mesma magnitude quando se trata de infraestrutura. E dão a impressão de que não temos espaços suficientemente equipados para dar conta nem da demanda nem da oferta de atividades culturais. Mesmo com tanto público nos cinemas, só existem 282 telas na cidade. Patamar bastante inferior não apenas ao dos grandes centros europeus, mas abaixo também de metrópoles emergentes, como Johannesburgo, com 368, e Xangai, com 670. Com apenas uma biblioteca para cada 100 mil habitantes, só não perdemos para Mumbai, Cingapura e Istambul.

Já no caso dos teatros, a situação não melhora muito. Com 116 salas, ficamos bem atrás de cidades como Paris, com 353. "A maioria das cidades tem planos ambiciosos de desenvolver sua infraestrutura cultural, sem saber como garantir que essas facilidades atraiam as suas populações", acredita Paul Owens. "A impressão é de que São Paulo enfrenta o problema exatamente oposto. Muita demanda e oferta insuficiente. Será que essa não é uma situação que outras cidades deveriam invejar?"

Pode até ser. "Existe uma imensa demanda reprimida", aponta o secretário de Cultura. "Cada novo mínimo acréscimo é absorvido, cada mesa que colocamos a mais em uma biblioteca é imediatamente ocupada. É justamente a existência dessa demanda que nos alimenta."

Se existe um imenso público ávido por consumir cultura, também não falta uma parcela considerável que ambiciona criar. "O interessante é que, em São Paulo, a infraestrutura da cultura não está em todos os lugares. Mas a criação pode ser vista por toda parte. O grafite, por exemplo, é uma forma de arte que acontece de maneira informal, mas está se tornando cada vez mais e mais importante", acredita Matthieu Prin, um dos pesquisadores da BOP Consulting que participou do estudo.

Tudo isso não quer dizer, ele ressalva, que se possa prescindir de questões estruturais. "Infraestrutura é o meio de expor essa criatividade. Se ela não existe, as pessoas terão que achar outras formas de exibir seu potencial. Mas isso não significa que criatividade seja mais importante do que a estrutura."

Para a economista Lidia Goldenstein, não bastasse ser imenso, o problema exige uma visão que concilie a tradição e as inovações. "A gente ficou 30 anos sem investir em estrutura. Agora, não dá para só correr atrás do prejuízo sem investir no novo. O mundo não espera. O nosso problema é que temos que investir na estrutura do velho paradigma: sala de teatro convencional, sala de cinema. E a gente também tem que construir a infraestrutura do novo paradigma, que é banda larga."

O peso econômico dos setores criativos já seria argumento mais do que suficiente para justificar mais investimentos e políticas. "O setor 'videogames e efeitos especiais' representa para o século 21 o que a indústria automobilística foi para o século 20", lembra Lidia.

Nas metrópoles, contudo, cultura e arte podem desempenhar ainda um outro papel. "A dimensão não material da cultura parece ser mais forte a cada dia. E se torna particularmente importante se considerarmos os imensos desafios sociais que essas grandes cidades enfrentam", observa Paul Owens.

Obviamente, a cultura não pode ser vista como a panaceia para todos os problemas sociais, lembra Matthieu Prin. "Não é uma solução mágica. Não acaba com a pobreza. Tem que estar aliada a outros projetos." Mas, nos países da América do Sul, ela pode ter uma dupla utilidade: extrapola a propalada capacidade de revitalizar áreas degradadas (expediente usado em ampla escala na Europa). Pode tornar-se um importante mecanismo em regiões que não chegaram sequer a ser urbanizadas. "Se você anda pela periferia, fica muito claro como a cultura é uma proposta de urbanização", afirma Calil. "A maior necessidade das pessoas em uma cidade maltratada como a nossa, em que não existem praças ou parques, é por espaços em que possam conviver, estar juntas. Tenho convicção de que aqui esse é o maior papel que a cultura pode cumprir."

sábado, 22 de setembro de 2012

Artes plásticas: MinC carece de política de formação de acervo

Matéria originalmente publicada no caderno Cultura do jornal globo.com em 19 de setembro de 2012
‘Falta articulação com o Ministério das Relações Exteriores’, diz curador do MAM do Rio

RIO - Para artistas, curadores e colecionadores, há pelo menos três nós na relação do governo federal com as artes visuais: política de formação de acervo, hoje quase inexistente, altos impostos de importação (que chegam a 40% do valor de uma obra de arte) e o trabalho ainda pífio para o fortalecimento das instituições que divulgam as obras de arte no país. O primeiro ponto crítico, a falta de trabalho consistente para constituir acervos de qualidade, é dos mais lembrados e urgentes. O artista Carlos Vergara exemplifica:
— Quando curadores internacionais vêm ao país, eles têm de ir à casa dos artistas, porque os museus não têm política de compra. Vamos ter Copa e Olimpíadas, acho que é uma chance grande de mostrar que há vida inteligente por aqui.
Para o crítico Frederico Coelho, “a formação de acervo é o principal trabalho que o Estado pode exercer: fazer com que as pessoas que trabalham com arte possam ter perspectivas de que seu trabalho vai circular”.
Curador do Museu de Arte Moderna do Rio, Luiz Camillo Osorio defende o fortalecimento institucional, com “o mapeamento das instituições de caráter regional, nacional e internacional, para a consequente criação de uma política nesse sentido”.
— Sinto falta disso e da articulação internacional, com o Ministério das Relações Exteriores, para criar uma instituição como o Instituto Cervantes ou o British Council, que divulgam seus artistas no exterior — diz Camillo.
No mercado, a queixa recorrente repousa na questão fiscal. O marchand Max Perlingeiro afirma que “hoje, o colecionador é quase penalizado, com imposto de 42,5%, ao tentar repatriar obras de arte brasileira”.

domingo, 16 de setembro de 2012

Depoimento: São necessários dois dias para visitar a Bienal de metrô e ônibus por Marcos Grispum Ferraz, Folha de S. Paulo

Matéria de Marcos Grispum Ferraz originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 10 de setembro de 2012.

Três repórteres, três trajetos, três meios diferentes: carro, transporte público e bicicleta. Na última sexta-feira, primeiro dia da 30ª Bienal para a visitação pública, a Folha visitou os pontos do evento fora do pavilhão do parque Ibirapuera.

Um texto que exige do repórter percorrer em um dia oito pontos da cidade (espalhados por três regiões), apenas usando ônibus, metrô (e as próprias pernas), poderia estar no caderno "Cotidiano". Daria uma boa discussão sobre as carências do sistema municipal de transporte.
Mas, como o assunto é artes plásticas --os oito pontos abrigam as obras da Bienal--, e a pauta é para a "Ilustrada", fica a dica para o leitor que pretende encarar uma empreitada como essa: leve um MP3 cheio e um bom livro. O trajeto vai ser demorado.
Às 8h30, em frente ao cemitério da Lapa, começa a viagem. Até o fim do dia seriam cinco ônibus, três metrôs e cerca de seis quilômetros de caminhada, em dez horas. O primeiro ponto de parada é a Casa do Bandeirante, que abriga a obra de Hugo Canoilas. Dali, sigo para a estação da Luz --a escultura de Charlotte Posenenske quase não é notada por alguns transeuntes, mas em outros gera grande curiosidade.
Mais um metrô até a Consolação e uma caminhada até a Faap, e, às 11h15, ocorre o primeiro erro de reportagem. O museu da faculdade abre às 13h no feriado, e não às 10h, como em uma sexta comum. Fico de fora: paciência.
Mas paciência mesmo é o que se precisa para pegar o ônibus seguinte, do Pacaembu à Paulista. A consolação para 40 minutos de espera são os grafites assinados por Treco no local, que fazem dali um ponto paralelo ao circuito de artes da cidade.
No Masp, a fila de uma hora atrasa mais os planos do dia. Ali, as obras da Bienal estão integradas à exposição permanente e só valem a visita para quem quer ver o resto do museu. Afinal, por que pagar R$ 15 para ver a obra de dois artistas quando se tem outros cem expostos gratuitamente no pavilhão?
Sigo para o Ibirapuera, para pegar a van que abriga a obra sonora de Leandro Tartaglia e leva até a Capela do Morumbi, onde está a instalação de Maryanne Amacher.
Às 17h30, de volta ao parque, faltava apenas a visita à Casa Modernista, que fechava às 18h. Mas, claro, 30 minutos não bastariam para ir de ônibus até o local, que abriga obras de Sergei Tcherepnin e Ei Arakawa.
Vindos de Boston (EUA) e Iwaki (Japão), os dois certamente estranhariam o fato de seu trabalho não ser visto por questões de transporte urbano. Mas aqui é São Paulo.
Após mais uma hora e dois ônibus, chego à minha casa com duas conclusões: no feriado, o metrô funciona, mas esperar ônibus passar é teste de paciência; logo, é preciso reservar dois dias para fazer o circuito da Bienal pela cidade em transporte público.

domingo, 9 de setembro de 2012

Bienal de São Paulo chega à 30ª edição renovada

Matéria de Camila Molina originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 2bde setembro de 2012.
O maior evento das artes no Brasil solucionou problemas que ameaçaram sua realização

A Bienal de São Paulo chega à sua 30.ª edição de forma renovada, apesar das dificuldades de percurso que quase inviabilizaram sua realização. Um amplo número de obras, cerca de três mil, criadas por 111 artistas, e um projeto curatorial consistente, idealizado pelo venezuelano Luis Pérez-Orama.
O título da 30.ª Bienal de São Paulo, A Iminência das Poéticas, é considerado pela curadoria não um tema, mas um eixo condutor da mostra. "Trata-se mais de um pretexto para pensar, para lançar perguntas", explica Oramas, curador responsável pelo departamento de arte latino-americana do Museum of Modern Art (MoMA) de Nova York.
A seleção de artistas e obras da mostra foi feita em conjunto com os curadores-associados André Severo e Tobi Maier e a curadora-assistente Isabela Villanueva. Questões como multiplicidade, recorrência e mutabilidade das poéticas, aspectos fortemente presentes no mundo contemporâneo, estão privilegiados nesta edição.
"Fizemos uma mostra como poucas na história da Bienal. Ela propõe uma temática nova de debate, um discurso novo", analisa o presidente da Fundação Bienal de São Paulo, o empresário Heitor Martins, à frente da diretoria da instituição desde 2009. Segundo ele, a 30.ª edição foi realizada com um orçamento "20% menor" que o da edição anterior. "Concluímos toda a captação de recursos, de R$ 22,4 milhões, antes da abertura da mostra."
Nos primeiros meses do ano, a Fundação Bienal passou por momento de insegurança quanto à realização desta edição do evento. Em janeiro, a entidade teve suas contas bloqueadas por questionamentos da Controladoria-Geral da União (CGU) sobre convênios firmados pela Bienal entre 1999 e 2007. Uma liminar concedida em março pelo Tribunal Regional Federal (TRF) de São Paulo possibilitou que a instituição tivesse seus recursos desbloqueados e pudesse fazer a captação orçamentária para a 30.ª edição. "Vejo o futuro com otimismo. Paradoxalmente, a crise fortaleceu o diálogo com o Ministério da Cultura e estamos buscando caminhos para analisar as contas do passado e buscar soluções concretas", diz Heitor Martins.
Nesta edição, além de um mapa do pavilhão da Bienal e informações sobre outros espaços que dialogam com a mostra, textos analisam as diversas facetas do evento. A partir de conversa com Oramas, Antonio Gonçalves Filho apresenta as ideias que guiaram suas escolhas. A crítica Maria Hirszman trata da estrutura da exposição. Simonetta Persichetti aborda a presença da fotografia. Já o crítico Rodrigo Naves investiga as relações entre arte e loucura por meio da obra de Artur Bispo do Rosário, um dos homenageados deste ano. E Teixeira Coelho, curador do Masp, traça um panorama histórico das 29 edições anteriores do evento e discute seus desafios futuros.

Mostra sem curador reúne iniciantes e nomes consagrados

Matéria de Gustavo Fioratti originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 4 de setembro de 2012.
Para participar de exposição no Liceu de SP bastava levar uma obra de autoria própria

Para construir a obra "Totem", o italiano Francesco Di Tillo, 28, passou o domingo recolhendo o lixo produzido pelos 310 artistas que compartilharam um mesmo espaço.
Bem no centro do galpão do Liceu de Artes e Ofícios, na Luz, a montanha foi ganhando volume, cheia de plástico bolha e papelão.
Assim como Tillo, os outros artistas da exposição "Artes e Ofícios¹ - Para Todos" não foram selecionados por um curador. Para conseguir um lugarzinho, bastava chegar com uma obra de autoria própria e fazer a inscrição.
A porta do galpão foi aberta às 11h, quatro horas depois de o estudante de artes Fernando Braida, 21, de Juiz de Fora (MG), chegar com um retrato em aquarela. A fila cresceu até quase cem metros. Ao meio-dia, a organização passou a distribuir senhas, para que os artistas não precisassem ficar em fila sob o sol.
Ao som de marteladas, os trabalhos foram ocupando todo o galpão. Alguns artistas mais cotados deram as caras, como Rodolpho Parigi, Fábio Gurjão e Antonio Malta.
O diretor de criação Nathan Cornes, 37, não conhecia o trabalho de Nuno Ramos, que instalou um tríptico à direita de sua obra. "Acho ótimo igualar todo mundo. Aqui, você vai ter um quadro de um cara da praça da República e outro feito por alguém da USP que está desconstruindo a arte do século 20", diz.
A obra de Cornes chama-se "Pirueta". Nela, cubos de gelo com aquarela derretem sobre a tela, dando origem a paisagens quadriculadas.
A divulgação da exposição, por Facebook, chegou aos ouvidos de artistas que trabalham fora do Brasil. As suecas Merzedes Sturm-Lie, 20, e Cecilie Hundevad Meng Sovensen, 26, demarcaram com fita adesiva o lugar onde vão realizar uma performance.
A dupla está pesquisando fatos relacionados ao anarquismo no Brasil e se interessou pela comunidade italiana Colônia Cecília, que existiu no Paraná no século 19.