quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Exposição no MoMA mostrou que op era pop.

Matéria de Cassiano Elek Machado originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 4 de dezembro de 2012.

Criado em 1929, pouco depois do "crash" da bolsa local, o Museu de Arte Moderna de Nova York só teve sua primeira exposição de grande público em 1965.
Foi "Responsive Eye" (olho receptivo), uma das mostras mais importantes da história da op art. "Dezenas de milhares de pessoas já vieram", diz em tom grave o jornalista Mike Wallace em documentário sobre a exposição feito em 1966 por um estreante Brian de Palma.
O filme, que é exibido na mostra "Buzz", comprova uma das teses de Vik Muniz sobre a arte ótica.
"É uma das artes mais acessíveis. Qualquer um gosta, independentemente de sua formação."
A Bienal de Arte de São Paulo teve algumas comprovações disso.
Na edição de 1996, por exemplo, o predileto do público, com 37% dos votos, foi o venezuelano Jesús Soto. Tanto ele quanto o outro grande pioneiro venezuelano da arte op, Carlos Cruz-Diez, estão representados em "Buzz".
A mostra também traz obras de precursores nacionais (e mundiais) no gênero, como Abraham Palatnik (1928) e Almir Mavigner (1925).
Este último, radicado desde os anos 1950 na Alemanha, foi o único brasileiro a participar de "Responsive Eye", no MoMA.
"São dois gênios da arte brasileira, ainda sem o crédito adequado", diz Vik Muniz.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Marcius Galan vence o Prêmio Pipa


Matéria de Audrey Furlaneto originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Globo em 26 de novembro de 2012.
Artista questionou ‘contrato’ da arte em mostra no MAM

Um dos principais prêmios de arte do país, o Pipa (Prêmio Investidor Profissional de Arte) anuncia hoje o vencedor de sua terceira edição, Marcius Galan. O artista, cujas obras questionam limites físicos e imaginários, foi o escolhido num processo iniciado no início do ano e que atraiu 117 candidatos de todo o país. Pelo prêmio, ele receberá R$ 100 mil e uma residência artística em Londres.
Nascido em 1972, nos Estados Unidos, e trazido pelos pais para Bauru quando tinha 1 ano, Galan é um dos principais nomes de sua geração. Já participou da Bienal de São Paulo, expôs no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio e no de São Paulo e fez várias individuais em galerias mundo afora.
Na exposição dos quatro finalistas do Pipa no MAM (além dele, disputaram a final Thiago Rocha Pitta, Matheus Rocha Pitta e Rodrigo Braga), o artista mostrou “Obra de arte em cinco vias e um contrato”, trabalho que ironiza as próprias regras de participação do prêmio e a mercantilização do mundo da arte.
A obra consiste em cinco folhas impressas que reproduzem uma nota fiscal, em cores variadas, destinada a pessoas e instituições diferentes: o MAM, o patrocinador do prêmio, curadores, público e artista. Junto, um contrato lista cláusulas de uso e comercialização, segundo as quais as obras podem ser doadas separadamente, mas vendidas apenas em conjunto.
O trabalho, enfim, obriga os envolvidos a entrarem num acordo sobre seu fim. Ao GLOBO, o próprio artista definiu a obra como “extremamente burocrática, uma crítica à organização da arte”.
No mesmo MAM, Galan apresentou, em 2010, a exposição “Interseção”. Nela, fazia o som de um lápis sobre uma página tomar o ambiente do museu. Uma de suas obras, “Seção diagonal”, de 2008, pode ser vista em Inhotim, dentro da galeria Mata. Lá, dividiu o ambiente com placas de vidro, alterando, assim, a percepção do espaço que o espectador tem num canto da galeria.
Além do prêmio principal, o Pipa divulgou recentemente os vencedores das demais categorias. Rodrigo Braga venceu o Voto Popular, no qual só concorrem os finalistas, já que quem vota é o público da exposição em cartaz no MAM. Braga expõe atualmente na 30ª Bienal de São Paulo.
Na categoria Pipa Online, Berna Reale foi a vencedora, com 4.500 votos. A paraense costuma fazer performances, o que já lhe rendeu o apelido de “Marina Abramovic do Pará”. Berna, que também é perita criminal, receberá R$ 10 mil pelo Pipa Online.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Museu 2.0: a arte de ouvir o público

Matéria de Audrey Furlaneto originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Globo em 27 de novembro de 2012.
 
Para sobreviver no século XXI, instituições precisam aceitar opiniões, dizem estudiosos e curadores de todo o mundo em livro organizado por pesquisador carioca

RIO - No colo da dona, o gato se contorce de prazer com as cócegas no pelo acinzentado. Ela interrompe o carinho e solta um gritinho. E o bichano parece responder, exibindo as patinhas rosadas como se pedisse mais. São poucos segundos, mas são segundos hipnóticos. O Walker Art Center, em Minneapolis, nos Estados Unidos, entendeu o poder de um felino em cena. Organizou um festival em seu jardim só com vídeos de gatos no YouTube. Foi a maior audiência do museu: dez mil visitantes num dia.
Na pequena cidade de Santa Cruz, na Califórnia, um museu convidou o público a expor suas memórias em pequenos jarros de vidro. Lotou o primeiro andar com os potinhos de histórias. Também pediu aos visitantes que mostrassem lá suas próprias coleções — e nada da monotonia dos acervos que se levam a sério demais. A vizinhança do Santa Cruz Museum of Art and History coleciona de caveiras de animais e eletrodomésticos a bandeiras da guerra civil americana. Ao envolver o público na instituição, o museu viu a audiência passar de dez mil pessoas em 2011 para mais de 23 mil em 2012.
— O grande salto de um museu atualmente é saber olhar para o público — diz Luis Marcelo Mendes, há 20 anos pesquisador de cultura e branding, que acaba de organizar num livro pensamentos e relatos de experiências bem-sucedidas em museus mundo afora.
“Reprograme” reúne ensaios de filósofos como Alain de Botton, diretores de museus como Nina Simon (à frente da instituição de Santa Cruz, na Califórnia) e consultores como Robert Jones, tido como o “inventor” da marca Tate Modern, de Londres, e do New Museum, de Nova York. Em todos os textos do livro, que a Ímã Editorial lança no dia 11 de dezembro, é consenso: se quiserem sobreviver, no século XXI, os museus precisam aprender a ouvir o público. Ou, como diz Robert Jones em ensaio que integra o livro, um museu não pode ser pensado como uma catedral, mas como um “bazar de troca”.
Experimentação coletiva
O Internet Cat Video Festival, a mostra dos gatinhos no Walker Art Center, é um bom exemplo da nova forma de pensar (e dessacralizar) as instituições. A diretora do museu, Sarah Schultz, conta que o público podia enviar seus vídeos preferidos e que cerca de dez mil pessoas contribuíram com a “curadoria”.
— Os visitantes vinham de outras cidades, havia muitas famílias, gente vestida com fantasia de gato e milhares de pessoas que simplesmente estavam curiosas e não queriam perder a experiência — lembra Sarah, em entrevista ao GLOBO. — O evento nos mostrou o quanto as pessoas querem ficar juntas em tempo real. Isso é, na verdade, a lição mais importante de todo o nosso trabalho com o open field.
Open field é o jardim vizinho ao museu, há três anos usado para projetos colaborativos entre artistas e a comunidade. Lá, há de aulas de ioga a um clube de desenho, com oficinas semanais em parceria com um artista. O programa, diz a diretora do Walker Art Center, tem estrutura simples e custa pouco — o que confirma uma das teorias defendidas por Luis Marcelo Mendes: os problemas de orçamento não podem servir de esconderijo para diretores e curadores de museus. Em geral, ele diz, a saída está numa ideia simples e criativa, como o festival do YouTube ou os potes de memórias.
— As pessoas desejam experimentação coletiva. Inteligentes são os museus que percebem isso. Vá à fila do CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) e você verá que as pessoas quase nunca estão sozinhas. Não se espera quatro horas numa fila sozinho — diz ele, lembrando que a autorização para fotografar pode ser crucial na atração do público. — O barato da mostra do Escher (a mais vista do mundo em 2011, com mais de nove mil pessoas por dia, no CCBB do Rio) era o fato de poder fotografar e compartilhar. Esse é um verbo crucial no museu do futuro.
Um dos consultores do Museu do Amanhã e do Museu de Arte do Rio (MAR), ambos em construção na Zona Portuária da cidade, Mendes lembra experiências como um flashmob no Museu d’Orsay, em Paris. Diante do impedimento de fotografar as obras, um grupo grande de pessoas decidiu fotografar mesmo assim — e todos sacaram seus celulares ao mesmo tempo, deixando a segurança em pânico.
— O museu precisa passar da ideia de autoridade para a ideia de compartilhamento. Ouvir o outro é fundamental — defende, e lança em seguida a questão: — Qual foi a última vez que você foi a um museu no Rio e foi perguntado: “Você gostou da exposição? O que acha que podemos fazer para melhorar?”
Todo o poder ao público
No Brasil, são raros os exemplos de sucesso. Mendes lembra o Museu do Futebol, em São Paulo, onde colecionadores de camisetas dos clubes se reúnem constantemente. “Inteligente", como ele define, o museu poderia simplesmente ignorar, mas “acolhe” as reuniões e ganha mais adesão do público. São de São Paulo também outras experiências positivas segundo ele, como a Pinacoteca e o Museu da Língua Portuguesa. No Rio, ele lamenta, os museus ainda engatinham no relacionamento com o público.
— A programação do MAM (Museu de Arte Moderna) é incrível, o trabalho de curadoria (de Luiz Camillo Osorio) tem sido espetacular, mas ir ao museu ainda é uma experiência ruim. Você precisa lidar com flanelinhas, moradores de rua, há lixo no entorno, o restaurante é caríssimo, o café nem sempre está aberto... — lista ele.
O sentido é um tanto oposto ao de marcas consagradas na cultura mundial, caso do MoMA, em Nova York. Valendo-se de seu próprio prestígio, o museu criou exposições como a “I went to MoMA and...” (“Eu fui ao MoMA e...”), em que o público era convidado a relatar suas experiências no museu. O material foi usado não só para cobrir as paredes internas da instituição, mas também como cartaz publicitário nas ruas da cidade. Menos barata, mas não menos atraente, foi a experiência de levar ao museu, em abril deste ano, o grupo alemão Kraftwerk, pioneiro da música eletrônica, para apresentar seus oito álbuns em sequência.
— Que outra instituição no mundo faz isso? Precisamos entender que há coisas que só o museu pode fazer. Por que 74 mil pessoas vão à ArtRio (em quatro dias) e não vão ao MAM? O que tem ali que não tem no MAM? — pergunta ele, para em seguida responder: — É um tipo de experimentação para o padrão das pessoas.
Outro exemplo de “compreensão do outro” na museologia se deu em Denver, no Colorado, estado americano que tem a criação de gado entre as principais fontes de renda. Seu museu de arte contemporânea percebeu que, para que o público abraçasse a instituição, era preciso “expor” o que o povo de Denver tem em comum: o gosto por carne. Estava criada a ideia da mostra “Art meets beast”, que levou vários “artistas” da carne (açougueiros, cozinheiros...) ao museu para exibir sua “arte” e conversar com o público.
— O museu precisa entender o que é valioso para o outro, e não para si mesmo. No museu do futuro, todo o poder emana do povo.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Informe

Aprender fazendo é uma forma arriscada de didática, mas imensamente recompensadora. No trajeto deste quase um ano de trabalho - aqui falamos do projeto "Presente de Natal para a Museologia Baiana"- percebemos o quanto a prática pode melindrar a teoria. Iniciamos o processo acreditando em prazos, em propostas e em nós mesmas. Agora, acreditamos ainda mais em nós mesmas. Foram, e são, muitos contratempos, aumento de material de pesquisa, reformulações de tudo, principalmente do que pensávamos a respeito do campo de trabalho da Museologia. Mas não paramos, apenas estamos estendendo o prazo necessário para que o resultado seja idôneo, coerente e maduro profissionalmente. Até o momento temos mais de 78% dos espaços mapeados, e o restante em condições delicadas de pesquisa. Temos dados que parecem divergir de fontes oficiais, e isto precisa ser analisado com muita calma. Pautamos com seriedade qualquer atividade que leve o selo do Coletivo Maria Vernissage, e é esta a razão das linhas que acabam de ler. E os resultados então, quando são? Quando acreditarmos que estejam prontos, embasados e confiáveis, para todos vocês que acreditam em nós!

domingo, 18 de novembro de 2012

Publicação no Blog Mulherzinha, de Paula Dultra.

http://www.blogmulherzinha.com/2012/11/cultura-o-que-e-que-bahia-tem-arte.html


A Bahia possui expressividade artística. E não falo aqui da capoeira, de carnaval, dos centros históricos ou caruru. Falo de artes visuais, de um mergulho no “pós-mídia”, dos tradicionais suportes à digitalidade.
Contudo, nos últimos 50 anos, Salvador -Terra da Bahia, saudoso Jorge- vive um hiato cultural. Os anos 1960 trouxeram uma explosão cultural com o Cinema Novo, o Tropicalismo, o Teatro dos Novos, Revista da Bahia e as Bienais, dentre outros fatos relevantes da história da cultura baiana. Viveu-se a Galeria Oxumaré, as Bienais de 66 e 68, os salões universitários e a Bienal do Recôncavo (ainda viva!).
E hoje? Venho acompanhando o cenário soteropolitano em pueris quatro anos, mas maduros o suficiente para perceber a pouca valorização da produção local. Tivemos sacudidas do que acontece mundo afora, e pudemos nos deliciar com pequenos bocados: Tunga, Waltércio Caldas, Joseph Beuys, recorte da 29ª Bienal, Rodin, mas faltou Bahia.
E a Bahia Contemporânea, de produções cosmopolitas, sem o estigma de chapéu de couro e unicamente matriz africana. Somos celeiro de produções interessantes, que aqui nascem, mas não adolescem. Fora do estado, e do país, nossos artistas seguem remunerados e reconhecidos, mas aqui a “exposição” é pífia, tida como elitizada e entendida por poucos. Mas, rechaços à parte, aqui cabe agora abrir uma janela, um espaço para falar sobre estes artistas baianos que merecem aplauso, crítica, discurso, feedback e pimenta. De baiana.
Beijos
Aila Canto

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Curador sintetiza pontos centrais da arte brasileira

Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 26 de outubro de 2012.

Livros e caixas são suportes usados e recriados por muitos artistas contemporâneos. Marcel Duchamp foi um dos primeiros a se utilizar dessa prática, com sua "Caixa-valise" (1938-1942), na qual apresentava miniaturas de 61 obras suas.
"Aberto Fechado: Caixa e Livro na Arte Brasileira", com curadoria de Guy Brett, apresenta um amplo panorama sobre esse tema a partir de uma ótica local. Brett, crítico e curador inglês, há cinco décadas envolvido com a produção brasileira, selecionou 90 obras de 23 artistas.
É preciso reconhecer: trata-se de uma das melhores exposições sobre arte brasileira. Por meio de uma questão original, Brett sintetiza alguns dos pontos centrais da produção nacional com obras absolutamente precisas.
"Ninhos" (1969), de Hélio Oiticica, é um bom exemplo. Penetrável criado para a galeria Whitechapel, em Londres, é composta por seis caixas recheadas de materiais distintos, que permitem a interação com o espectador. Assim, ao contrário das caixas de artistas europeus ou americanos até então produzidas, confirma-se que, no Brasil, o rompimento da relação formal com o objeto artístico através da participação do espectador é um eixo central.
Nesse caso estão ainda obras icônicas como "O Ovo" (1968), cubo de papel que pode ser rompido pelo visitante, ou "Caixa Brasil" (1968), estojo que contém mechas de cabelo de índios, europeus e africanos, ambos de Lygia Pape.
Nesse último trabalho, com os cabelos dispostos de acordo com sua ocupação no país, a começar pelos índios, percebe-se um novo viés. Obras como "Caixa Brasil" dizem respeito à política de uma forma global, no caso o significado da cultura brasileira. Esse viés também é percebido com "Livro de Carne"(1978-1979), registros de um livro feito de carne, por Artur Barrio, num momento em que havia tortura em prisões brasileiras.
Assim, a mostra desdobra-se em múltiplas dimensões, da política à formal, como a influência construtiva nas obras de Raymundo Collares, caso de "Gibi de Bolso"(1971).
Outro mérito é que os textos que acompanham as obras não são divagações generalistas, como tem ocorrido com frequência, mas explicações dos próprios artistas sobre seus trabalhos.
A exposição ainda é acompanhada por um catálogo exemplar, com ensaios de fôlego, imagens de todos os trabalhos expostos e depoimentos dos artistas. Contudo, acima de tudo, "Aberto Fechado" é uma reunião de excelentes trabalhos.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

1 ano de Maria!




 O Coletivo Maria Vernissage completa hoje seu primeiro ano. Pensar seu formato, cumprir metas diárias, resolver problemas-surpresa (ou não tão surpresa assim), montar e remontar ideias, rearranjar funções, buscar parcerias, preparar reuniões emergenciais, alterar prazos e descobrir que o mundo é muito maior do que se imaginava, são partes de todo o trabalho inerente a qualquer grupo que resolva, insanamente, se juntar para criar algo novo. E por ser algo novo, é no seu percurso que as paredes vão sendo suspensas, as janelas, instaladas, e o teto se firmando. Fechamos aqui o primeiro ciclo, de muitos percalços e resultados ainda imberbes, mas cheias de vontade e garra, para continuarmos seguindo e amando ser as "Maria Vernissage" ! 

E, de presente, a mensagem do bambu chinês!

Depois de plantada a semente deste incrível arbusto, não se vê nada exceto um lento desabrochar de um diminuto broto a partir do bulbo. Durante 5 anos, todo o crescimento é subterrâneo, invisível a olho nu, mas uma maciça e fibrosa estrutura de raiz que se estende vertical e horizontalmente pela terra está sendo construída. Então, no final do 5º ano, o bambu chinês cresce até atingir a altura de 25 metros.
Muitas coisas na vida pessoal e profissional são iguais ao bambu chinês. Você trabalha, investe tempo, esforço, faz tudo o que pode para nutrir seu crescimento, e às vezes não vê nada por semanas, meses ou anos. Mas, se você tiver paciência para continuar trabalhando, persistindo e nutrindo, o seu 5.º ano chegará, e com ele virão crescimento e mudanças que você jamais esperava.
  


quinta-feira, 25 de outubro de 2012

II Seminário Baiano de Crítica de Artes


"A Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB), entidade vinculada à Secretaria de Cultura do Governo do Estado (SecultBA), dá início às ações que integram o segundo ano do Programa de Incentivo à Crítica de Artes. Nos próximos dias 29 e 30 de outubro, o II Seminário Baiano de Crítica de Artes vai reunir profissionais brasileiros reconhecidos no campo para discutir a crítica de artes, com a proposta de divulgar a importância e os aspectos desta produção, agregar profissionais e estimular o interesse de novos autores críticos. O Seminário acontece no Espaço Xisto Bahia (Barris – Salvador), sempre das 9 às 13 horas. A entrada é gratuita, aberta ao público até lotação da sala e os interessados em garantir vaga devem fazer pré-inscrição pelo site www.fundacaocultural.ba.gov.br/criticadeartes. Para aqueles que não puderem se fazer presentes, os dois dias do evento terão transmissão ao vivo através do Portal do IRDEB (http://www.irdeb.ba.gov.br/), com apoio da Diretoria de Audiovisual (DIMAS) da FUNCEB, permitindo também o acesso de pessoas do interior do estado e de todo o país."

domingo, 21 de outubro de 2012

Roteiro cronológico das invenções de Abraham Palatnik, por Frederico Morais



Abraham Palatnik, Galeria Nara Roesler, São Paulo, SP - 19/10/2012 a 24/11/2012

Aparelhos cinecromáticos

Entre 1949 e 1950, constrói seus dois primeiros aparelhos cinecromáticos. Azul e roxo em primeiro movimento, exposto na I Bienal de São Paulo (1951), tinha 600 metros de fios elétricos, servindo a 101 lâmpadas de voltagens variadas, que movimentavam, em velocidades desiguais, alguns cilindros.
Para o crítico Mário Pedrosa, que cunhou o termo cinecromático, era a primeira tentativa, no Brasil, de realizar a utopia artística de Moholy-Nagy, que consistiria na criação de “afrescos de luz destinados a animar edifícios ou paredes com o dinamismo plástico da luz, segundo a vontade e a inspiração criadora do artista”.
Até 1983 Palatnik realizara 33 aparelhos cinecromáticos, expostos em sete edições da Bienal de São Paulo, entre 1951 e 1963, e nas bienais de Veneza (1964) e Córdoba (1966), e em mostras individuais e coletivas na Europa e nos Estados Unidos. O oitavo aparelho, uma sequência de imagens verde-laranja que durava quatro minutos, exposto no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1960, apresentava uma série de inovações técnicas, como a miniaturização do centro de controle automático, a redução da fiação elétrica para 60 metros e o número de lâmpadas para 51, além da introdução de uma central de controle automático.
Com seus aparelhos cinecromáticos, Palatnik não só se antecipa à vertente construtiva, que eclode com os grupos Ruptura (São Paulo, 1952) e Frente (Rio de Janeiro, 1954) para se consolidar com o Concretismo (1956) e o Neoconcretismo (1969), mas também funda a vertente tecnológica da arte brasileira.
Vistos na Bienal de Veneza, foram apontados como obras pioneiras no âmbito da arte cinética internacional, no que diz respeito ao binômio luz-movimento. O crítico Jürgen Morschel, comentando a exposição de Palatnik no Museu Saint Gallen, Suíça, em 1965, escreveu que ele “não executa objetos, encena acontecimentos”, definindo-o como um “regisseur”. Frank Popper, apresentando a mostra Kunst-Licht-Kunst, realizada em 1966 no Museu de Arte de Eindhoven, Holanda, refere-se aos “móbiles luminosos” de Palatnik, destacando a “veia poética” de suas pesquisas. No ano seguinte, confirmaria o pioneirismo de Palatnik no campo das pesquisas de luz e movimento, em quadro sinótico estampado no seu livro Naissance de l’Art Cinetique. Pierre Cabanne e Pierre Restany também reafirmaram, no livro L’Avant-Garde au XXe Siècle (1969), as antecipações de Palatnik tanto em relação aos “lumidynes” de Frank Malina, quanto às pesquisas de dinamismo espacial de Nicolas Schöffer. Tomás Maldonado, líder dos concretos-invencionistas argentinos, saudou seu colega brasileiro como “o mais importante precursor do último retorno à estética da luz e do movimento”. Mari Carmen Ramírez, curadora da monumental exposição Heterotopias – Medio Siglo Sin-Lugar 1918-1968, realizada no Museu Reina Sofía, Madri, em 2001, foi a última figura exemplar da crítica da arte a reafirmar o feito de Palatnik.

Pinturas sobre vidro

Em 1953, Palatnik participa da I Exposição Nacional de Arte Abstrata, no Hotel Quitandinha, em Petrópolis, com pinturas realizadas sobre vidro, associadas a incisões feitas com estiletes sobre matéria pintada. Feixes de linhas precisas, mesmo quando ondulantes, gravitam sobre a superfície ou se superpõem, numa sucessão horizontal de faixas, num caso e noutro sem afetar o caráter planar da obra.
Ou como na obra Sequência com intervalos, de 1954, buscando um diálogo mais sensível entre cor e linha, criando profundidades insuspeitadas. Palatnik integrou algumas dessas pinturas sobre vidro à parte traseira de poltronas de jacarandá, espuma e tecido por ele projetadas e expostas em três das quatro mostras realizadas pelo Grupo Frente, em 1954 e 1955.

Campos magnéticos

Palatnik não integrou o Neoconcretismo, mas absorveu alguns de seus postulados, como a participação do espectador no desenvolvimento da obra criada pelo artista. Assim, aos aparelhos cinecromáticos seguiram-se, em 1959, alguns trabalhos nos quais explora as possibilidades estéticas dos campos magnéticos, que incluem, em alguns casos, a participação lúdica do espectador. Em um desses trabalhos, Mobilidade IV, bolinhas de madeira são movimentadas, silenciosamente acionadas por eletroímã.

Quadrado perfeito

Em 1962, Palatnik projetou e patenteou o jogo que ele denominou Quadrado perfeito, exposto pela primeira vez na Galeria Barcinski, no Rio de Janeiro, e, nove anos depois, na mostra Arte Programatta e Cinética, realizada em Milão. Trata-se de um jogo baseado no deslocamento de peças sobre um tabuleiro semelhante ao que se usa no xadrez. No entanto, dele difere na medida em que não existem peças a serem capturadas ou xeque-mate, tampouco uma posição inicial rígida. Seu jogo pede mais percepção que raciocínio.
O jogo domina de ponta a ponta a obra de Abraham Palatnik, adquirindo formas variadas em função dos programas preestabelecidos. Nos aparelhos cinecromáticos, é o infindável fazer/desfazer dos movimentos, o manchar/desmanchar das cores. Nos objetos cinéticos, um jogo de simetrias e assimetrias prolongando movimentos silenciosos. No objeto lúdico, o ganho do jogador é o resgate da forma geométrica original. No jogo acima comentado, o ganho é a percepção do quadrado perfeito. Um artista como Palatnik é a perfeita ilustração do homo ludens de que fala Huizinga.

Relevos progressivos: madeira

Ainda em 1962, deu início à primeira de uma série de “relevos progressivos”, cada uma delas identificada por uma matéria-prima. A primeira escolhida foi a madeira.
Visitando uma marcenaria, Palatnik observou que os fragmentos de troncos de madeira espalhados pelo chão, abertos longitudinalmente, constituíam uma informação espontânea da natureza. A progressão de nós constitui um registro inevitável de situações de crescimento. Vale dizer, a própria natureza cria, no interior da madeira, padrões visuais: tonalidades, grafismos, manchas. Decide, então, disciplinar esteticamente essas formas ou padrões naturais, pretendendo, com isso, “atingir os sentidos do homem, ativando sua percepção”.
Essa questão é retomada por Palatnik, em entrevista que me concedeu (“Palatnik, artista e inventor: A arte não deve transmitir mensagens, mas ter vida própria”, O Globo, 1981), na qual afirma: “Minha função como artista é disciplinar o caos em nível da informação. As informações no universo estão geralmente ocultas, disfarçadas em meio à desordem. É necessário um mecanismo de percepção e da intuição para que estas se manifestem. É a esta ‘surpresa’ que tenho colocado meu interesse. Inicia-se o processo de permuta e, por meio da tecnologia adequada, procuro disciplinar as informações”.
Nos primeiros trabalhos, a preocupação dominante era enfatizar a ideia de progressão do ritmo horizontal-ondulatório que, cobrindo todo o plano bidimensional, sugere uma expansão virtual para além das bordas do quadro. Vieram, mais tarde, trabalhos nos quais a progressão é parcialmente substituída, ou melhor, ela surge acoplada à ideia de simetria, na medida em que as lâminas da madeira formam determinados núcleos ou áreas/manchas que se opõem simetricamente.

Objetos cinéticos

Palatnik constrói seus primeiros Objetos cinéticos, constituídos por hastes ou fios metálicos, tendo em suas extremidades discos de madeira, pintados de várias cores, e placas que se movimentam lenta e silenciosamente, acionados por motores e, em alguns casos, por eletroímãs. Neles só existe movimento; os objetos cinéticos encontram-se mais próximos da escultura e do desenho; os aparelhos cinecromáticos, mais próximos da pintura e do cinema. Nos aparelhos, a engrenagem mecânica e elétrica é invisível, reforçando a sensação de animação pictórica. Nos objetos cinéticos, ela ganha visibilidade, integra o campo visual, indicando que Palatnik procura dar à própria mecânica uma dimensão estética. Nos aparelhos, a metamorfose contínua de formas e cores – dinamismo plástico – provoca efeitos de cinestesia. Nos objetos, o movimento provoca encantamento.
Aparelhos e objetos são máquinas de criar arte e foram construídos com o mesmo rigor e espírito lógico, mas os primeiros sugerem maior ordenação e controle. Os objetos parecem mais espontâneos, como se, neles, o acaso interviesse. É certo que os objetos cinéticos se movimentam com a ajuda de motores ou eletroímãs, mas o espírito que os anima é o do móbile, que é também máquina, mas acionado por uma fonte de energia natural que lhe confere frescor, leveza e lirismo.

Objeto lúdico

Em 1965, Palatnik retoma a pesquisa com campos magnéticos, criando um objeto lúdico, que consiste na colocação sobre uma base circular, de vidro, de formas geométricas de cores diferentes, acionadas diretamente pelo espectador, através de um bastão magnetizado. Vale dizer, Palatnik usa os polos positivo e negativo dos ímãs para atrair ou repulsar as formas geométricas que constituem fragmentos de uma estrutura maior a ser armada pelo espectador-participante. Trata-se, no limite da interpretação, de um jogo.

Relevos progressivos: papel cartonado

A partir de 1968, Palatnik passa a empregar, na construção de seus relevos progressivos, o cartão dúplex. Mas, em vez de usar a superfície do papel, superpõe várias folhas, criando um aglomerado que, em seguida, é fatiado pelo topo. Nessa tarefa, emprega um mecanismo de facas duplas. Seus relevos, em diferentes profundidades, resultam em estruturas óticas, em cujos interstícios a luz perpassa, criando áreas mais ou menos iluminadas ou que parecem fechar-se ou abrir-se em função do próprio deslocamento do espectador. Palatnik explora, em seus relevos, o excesso e o fausto visual, evitando o vazio, como nas igrejas setecentistas do barroco universal. Emerge algo de sacral nesses relevos, e isso fica mais evidente quando substitui o cartão pelo metal dourado.

Objeto rotativo

Em 1975, Palatnik inventou o que chamou de Objeto rotativo – uma peça de resina de poliéster, medindo 12 x 2,5 x 0,8 centímetros, que, em função de uma pequena distorção num dos lados da parte inferior, inverte sua rotação. Impulsionada pelo usuário sobre uma superfície horizontal, lisa e dura, a peça, depois de um arranque no sentido horário, reage, fazendo o movimento contrário.

Relevos progressivos: cordões

Nas décadas subsequentes, Palatnik empregaria sucessivamente três novos materiais: nos anos 1970, a resina de poliéster; nos anos 1980, cordões sobre telas; nos anos 1990, um composto de gesso e cola. Com esta última, levada à tela com ajuda de uma bisnaga cujo bocal serve de pincel, inunda o espaço com um grafismo vibrátil e colorido, mas ainda de caráter progressivo. Nas progressões com resina de poliéster, explora, antes de tudo, a transparência do material.
Em 1981, por ocasião da primeira exposição das progressões realizadas com cordas sobre telas pintadas com tinta acrílica, Palatnik dizia tratar-se de “uma tentativa de organizar a superfície de uma maneira diferente dos procedimentos normais, introduzindo uma dinâmica através da cor”. Eu acrescentaria: uma dinâmica através da cor e da linha. Com efeito, alguns trabalhos da série estão compostos apenas de cordões cobertos pelo mesmo branco que serve de base às demais pinturas. E, fazendo uso apenas do branco, Palatnik reforça a estrutura linear que tensiona os ritmos ótico-cinéticos, que é a constante de toda sua obra. Contudo, diferentemente das progressões construídas com lâminas de jacarandá, que tendem a uma expansão horizontal, como se fossem um Muybridge abstrato, nas progressões com cordões, o impulso é para o alto, como se ele quisesse expressar, ao mesmo tempo, a sonoridade cromática do teclado luminoso de Scriabin e o ímpeto ascensional das colunas que crescem como florestas no interior das catedrais góticas.

Pinturas a duco sobre cartão (1988)

Sempre fugindo do pincel e dos pigmentos, Palatnik realizou, em 1988, uma série de dez pinturas a duco sobre cartão, que é, a seguir, colado sobre chapa de fibra de madeira. Essa tinta industrial já fora usada por alguns integrantes do Grupo Frente, como Ivan Serpa, porque ela atende melhor às exigências de uma pintura geométrica, de cores puras e lisas. Uma pintura não contaminada pela subjetividade do pintor. As dez pinturas da série, todas medindo 37,5 x 37,5 cm, foram reunidas em uma caixa de madeira, como se fora uma coleção ou museu portátil. Se as progressões são um momento de expansão barroca do artista, esta série pode ser vista como um interregno de pintura concreta.

Cracol

Em 1988 coordenei, a pedido da Secretaria de Turismo do Rio de Janeiro, um concurso fechado para a criação e implantação de uma escultura subaquática para o mar de Angra dos Reis. Convidei Abraham Palatnik a participar. Acostumado desde muito jovem a enfrentar os mais diferentes desafios, aceitou, com entusiasmo, o convite inusitado, projetando uma escultura que não deveria ser simplesmente mergulhada no mar, mas a proposta de um “encontro flutuante” do mergulhador com a obra. Acompanhando a própria dinâmica da escultura, o mergulhador percorrê-la-ia por dentro e por fora, extraindo do percurso uma vivência ao mesmo tempo sensorial e lúdica. A obra, que foi projetada para ser construída com chapas de aço naval, portanto, ecologicamente inócua, conviveria com a fauna e flora subaquáticas. Associando a forma geométrica em espiral de sua escultura ao caracol e à craca, que com o tempo iria fatalmente se colar à superfície da obra, Palatnik denominou-a Cracol. Nenhum dos cinco projetos apresentados, inclusive o premiado pelo júri, logrou ser executado. Uma pena.

Série W

Por volta de 2004, Abraham Palatnik deu início a uma nova série denominada simplesmente W. À primeira vista, trata-se de mais um desdobramento de seus relevos progressivos. E é. Mas vai além, ao propor uma discussão sobre a ativação do suporte, sua materialidade, diante da ocupação abstrata e/ou figurativa da superfície.
Nara Roesler foi a primeira galerista a expor trabalhos dessa nova série, que eu analisei em texto para o catálogo da mostra realizada entre dezembro de 2004 e janeiro de 2005. Já afirmei, mais de uma vez, que Palatnik é um artista de tipo novo, que não se contenta em amassar, sem inovar, o mesmo pão da história da arte. E continuou sendo, mesmo quando, em leituras apressadas, muitos viram, já nos primeiros trabalhos da série de relevos progressivos, um retorno à velha pintura. Esta ele já abandonara, definitivamente, após ver os trabalhos geniais realizados pelos artistas esquizofrênicos do Centro Psiquiátrico do Engenho de Dentro. Ao iniciar a série de relevos progressivos, em 1962, ele afirmou que retomou a bidimensionalidade do plano para realizar o que definiu como uma “disciplina de superfície”. Descartou, então, não apenas a figura, mas tudo aquilo que tradicionalmente se identifica com a prática da pintura: cavalete, pincéis, bisnagas, desenhos preparatórios etc.

Transcrevo a seguir o que escrevi sobre mais essa invenção de Palatnik. A obsessão pelo conteúdo foi um dos motivos principais das críticas dirigidas à iconologia, definida por Erwin Panofsky como um braço da história da arte que se ocupa do tema por oposição à forma. Ora, um quadro é composto por duas realidades interligadas. Um suporte material e uma superfície que o pintor ocupa com figuras, paisagens, objetos ou formas. Ao longo dos séculos, apenas a superfície, enquanto receptáculo da imagem, foi motivo de valorização e de estudos. Eis que alguns artistas contemporâneos passaram a trabalhar no sentido da decomposição dos elementos materiais do quadro, o que determinou o que foi chamado de “ruína da imagem”, com a destruição do espaço ilusório. Em outras palavras, a intenção desses artistas era substituir a iconologia por uma materiologia. Ou, no dizer de Jean Clair, “o quadro desaparece como lugar de uma encenação, para renascer em sua fisicalidade de suporte e de superfície. A obra não mais encarada como objeto de um saber, mas como objeto para um saber”.
A prática desenvolvida por Palatnik na realização de seus novos trabalhos tangencia a de alguns integrantes do grupo francês Support/Surface, mas visa alcançar outros objetivos, convergentes com o conjunto de sua obra. De fato, ele começa espraiando a tinta acrílica sobre a madeira, criando diferentes áreas de cor. Em seguida, o suporte entintado é fatiado a laser e, com as tiras resultantes do corte, cria novas estruturas visuais. As linhas nascidas da junção das tiras de madeira reativam a cor, dinamizando a superfície como um todo. Um programa previamente definido associa progressão horizontal e deslocamento vertical. Com os objetos cinéticos, Palatnik trouxe a primeiro plano a materialidade da mecânica da obra, que se iguala em beleza aos efeitos visuais. Com a série W, suporte e superfície constituem uma unidade indissolúvel.

Coco-babaçu e farinha de peixe

Palatnik inventou e patenteou diversos mecanismos industriais e os dois jogos já referidos. Um problema vital para a economia de certas regiões do Nordeste era como quebrar o coco do babaçu, para dele extrair a semente, que será transformada industrialmente em óleo. Em 1952, depois de seis meses pesquisando, conseguiu produzir uma máquina que quebrava o coco sem comprometer a integridade da semente. Em 1968, projetou dispositivos para agilizar a alimentação das máquinas de produção de farinha de peixe. No mesmo ano, encontrou uma solução econômica e menos poluente para a reembalagem de um pó especial para obturação de dentes.
Durante muitos anos, dividiu seu talento entre a criação e a fabricação de objetos decorativos (bichinhos de poliéster), exportados para catorze países da Europa e Ásia, e sua arte. “Todas as minhas invenções industriais foram posteriores à invenção do aparelho cinecromático”, disse-me na mesma entrevista. Em um dos seus raros textos escritos, Palatnik sustenta que “Para inventar alguma coisa, é preciso possuir um comportamento anticonvencional. Eu acho que as indústrias deveriam convocar artistas plásticos, porque eles possuem um potencial perceptivo que pode resolver inúmeros problemas”.
Em algum texto, cujos título e localização me escapam, Mário Pedrosa escreveu: “Os artistas revolucionários de nossos dias serão inventores, ou não o serão, mas inventores como os arcaicos, que, locados da ingenuidade das crianças, criam, destruindo seus brinquedos, e nutridos de pura imaginação, de si mesmos se esquecem, à eterna procura da pedra filosofal, nos equívocos alambiques onde ciência e magia hoje se confundem”.
Seu ateliê, incrustado em dois cômodos apertados de seu apartamento na Urca, não prima pela assepsia dos ambientes tecnológicos modernos, nele não se encontram computadores e outros sofisticados aparelhos eletrônicos, mas uma parafernália de caixas e recipientes com parafusos, porcas, engrenagens, furadeiras, serras circulantes, lupas, lixadeiras, soldadores, alicates, pequenos tornos. Nesse ambiente de baixa tecnologia ele é, verdadeiramente, um artista-artesão, mas capaz de fazer milagres com seu equipamento rudimentar. E de nos emocionar com suas obras.

sábado, 13 de outubro de 2012

Impasses e possibilidades da arte contemporânea, por Marisa Flórido

 
Artigo de Marisa Flórido originalmente publicado no Segundo Caderno, do jornal O Globo, em 8 de outubro de 2012.

Celebramos um culto vazio, o da própria exposição. Isso coloca as artes visuais em um lugar muito sensível e ambíguo

Em 1851, abria-se em Londres a primeira Exposição Universal (sob o título “Grande exposição dos trabalhos da indústria de todas as nações”), abrigada em um grande edifício de vidro e ferro, projeto de John Paxton, jardineiro construtor de estufas. O Palácio de Cristal, como ficou conhecido, geraria furor no público e contendas na crítica especializada. Como é possível uma arquitetura sem sombras? Interrogava-se então.

Giorgio Agamben especula se Marx não teria pensado no Palácio de Cristal ao escrever “O fetichismo da mercadoria e seu segredo”. Mas o fato é que o palácio não só colocava a mercadoria mas também seus visitantes expostos em uma redoma. É sintomático que um dos primeiros templos da mercadoria traga implícita a fase extrema do capitalismo: o espetáculo. Guy Debord constataria que o capital chegaria a tal grau de acumulação que se tornaria imagem, invadindo a vida social. “O espetáculo não é o conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens.” Na sociedade do espetáculo, não apenas o valor de troca separou-se do valor de uso, falsificando a produção social, como encobriu e submeteu toda a existência. O que definia o homem, como a política, a religião, a linguagem e a sexualidade, foi se retirando para essa dimensão separada, virtual e em permanente exposição. Basta pensarmos no julgamento do mensalão ao vivo em rede nacional, a vida íntima exposta nos reality shows, a disputa pelas almas (e por seus centavos) entre as igrejas em suas tele-evangelizações. As potências da vida em comum foram se abrigando no Palácio de Cristal e seu invólucro de vidro. Inclusive a arte e a cidade.

Nas novas geografias globais, as cidades competem para atrair os fluxos de capital e imagem, concentrá-los e de algum modo materializá-los em símbolos. Competem tanto pelo famoso museu e sua arquitetura extraordinária como para sediar grandes eventos esportivos. O Rio não permaneceria insensível a esse redesenho de forças. Nas últimas décadas, empenharia-se em atrair um grande museu internacional (na área portuária, onde ocorreu a ArtRio), concorreria para sediar grandes eventos esportivos, como as Olimpíadas de 2016. A cidade do espetáculo, tornando-se um grande evento, vive sua extrema exposição e insere-se na era do turismo cultural, uma das indústrias que mais crescem no mundo.
Curioso é como arte e cidade vêm se cruzando nesse redesenho. Arte e cultura vêm sendo usadas para alavancar reformas arquitetônicas e urbanas em áreas degradadas: tanto com a implantação de grandes equipamentos (museus e centros culturais) como com a ocupação de usos afins (ateliês, galerias). A contrapartida perversa desse processo de recuperação é a expulsão de seus moradores, principalmente dos mais pobres, conhecida como gentrificação. Equilibrar a recuperação do patrimônio histórico e urbano com a permanência da população tem sido um dos desafios das políticas urbanas. (Ler Alucinações produtivas. Produção cultural na Zona Portuária? por Cristina Ribas)

A VITRINE DE PAXTON
Faço eco às preocupações de minha colega de coluna, Luisa Duarte, em sua pertinente crítica, de termos o acesso à arte mediado principalmente pelo mercado e sua feira, em que “a experiência para o leigo acaba sendo a de um shopping”. A multidão frenética e ruidosa, a saturação do olhar na confusão das obras, o encontro com pessoas que raramente vão a uma exposição geravam mal-estar. Estávamos todos na vitrine de Paxton, em exposição como as obras, atraídos pelo evento social, pela paisagem, pela vista do mar, com que esta cidade tem laços afetivos e históricos.

Mas o fato é que 70 mil visitantes é um número considerável, e é preciso refletir sobre esse fenômeno. Isso não vem acontecendo apenas na ArtRio, o Rio teve três exposições no ano passado entre as dez mais vistas no mundo, todas no CCBB. Podemos até entender o apelo lúdico da mostra que ocupou o topo do ranking, “O mundo mágico de Escher”, mas isso não se aplica a outra que também esteve entre as dez mais: a de Laurie Anderson. Podemos deduzir suas causas de muitos fatores: a gratuidade, a propaganda intensiva, a atração do espetáculo, o investimento em educação dos centros culturais e das escolas públicas cariocas etc.

Por outro lado, percebemos também outro processo em curso na cidade, o de descentralização das ofertas culturais, a exemplo de iniciativas como o Bela Maré, o Museu da Maré, as Bibliotecas Públicas de Manguinhos e da Rocinha, os pontos de cultura, assim como os espaços independentes de artistas e de coletivos.
O que talvez possamos vislumbrar nisso é uma demanda reprimida, que se manifesta de diversas formas. O poder, hoje, não é mais fundado apenas sobre o uso da violência e o controle da opinião, mas, sobretudo, sobre a manipulação da emoção (com a qual o terrorismo joga) e sobre o monopólio das visibilidades. A exposição em si tornou-se um valor. Celebramos um culto vazio, o da própria exposição. Isso coloca as artes visuais em um lugar muito sensível e ambíguo, tanto de servidão como de resistência. Mas é exatamente por isso que talvez seja, pela arte, que se possa refletir de modo consistente (ainda que problemático) o mundo contemporâneo.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

ATENÇÃO!

Prezados Senhores,
 
Informamos que o Conselho Regional de Museologia 1a Região realizará eleição para preencher 02 (duas) vagas para membros efetivos na Diretoria, referente ao exercício 2013-2015.
 
Desta forma, esperamos até 30 de outubro as candidaturas para dar prosseguimento às ações de valorização e fortalecimento do profissional Museólogo na sociedade.
 
Lembramos que para se candidatar é necessário que o profissional tenha registro e esteja regular junto ao Conselho. A participação na votação é obrigatória.
 
Desde já agradecemos o apoio e cooperação nesta nova eleição para fortalecer nosso importante Conselho.
 
Cordialmente.
 
Antonio Marcos Passos
COREM 0221.I
Presidente do COREM 1R

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Estudo aponta os novos centros da arte no mundo



Matéria de Maria Eugênia de Menezes originalmente publicada no caderno Cultura do jornal Estadão de S. Paulo em 4 de setembro de 2012.

São Paulo é a única representante latina, mas enfrenta o desafio de melhorar sua infraestrutura

Quais são as capitais culturais do mundo? A resposta correta inclui escolhas óbvias. Nenhuma cidade tem tantos cinemas quanto Paris. Ninguém possui tantos museus quanto Londres. E Nova York continua imbatível quando se trata de teatro. Os dados estão no World Cities Culture Report. Maior estudo do gênero já publicado, o relatório confirma o protagonismo dos grandes centros. Insinua, porém, que essa história começa a ganhar novos e importantes personagens.

Se na economia o poder está mudando de mãos, na área cultural a tônica também não é diferente. A pesquisa elege 12 cidades em todos os continentes e torna evidente que as potências da cultura e da arte não estão mais apenas nos Estados Unidos e na Europa. Além das onipresentes Londres, Paris, Berlim e Nova York, aparecem na lista Tóquio, Istambul, Johannesburgo, Xangai, Sydney, Cingapura, Mumbai e São Paulo. A capital paulista é a única representante da América Latina nesse panorama. "As cidades emergentes estão inventando um perfil cultural próprio, que não é o mesmo das cidades europeias e americanas", diz Paul Owens, diretor da BOP Consulting, empresa britânica de consultoria que realizou a pesquisa.

Encomendado pela prefeitura de Londres e divulgado em agosto, o estudo mede 60 indicativos nas áreas de literatura, cinema, artes visuais, artes do espetáculo e em setores novos, como o de games.

Com os dados aferidos em mãos, é possível traçar uma infinidade de rankings. Mas os organizadores frisam que não é essa a intenção. Não se trata de saber quem detém os números mais robustos ou exerce maior influência no universo das artes. "As cidades sempre investiram em cultura por razões de prestígio, para mostrar poder político ou sucesso econômico. Esse era o modelo de desenvolvimento próprio das cidades americanas e europeias no século 19", apontou Owens em entrevista ao Estado.

Hoje, os investimentos em arte não são para exibir pujança econômica. Mas para gerá-la. Essa não é uma ideia nova. Ganhou força no fim do século 20. A atual pesquisa, entretanto, expande e confirma a impressão. Mostra resultados consistentes em cidades como Londres, onde o setor movimenta £ 12 bilhões e emprega 386 mil pessoas. Também deixa no ar a impressão de que, apesar do potencial, São Paulo ainda tem muito a fazer.

"Ao se ver essas questões sob o ângulo restrito apenas ao da cultura, está se perdendo a chance de perceber o impacto que isso pode ter em uma economia do tamanho da cidade de São Paulo", aponta a economista Lidia Goldenstein, especializada em economia criativa. "É a política industrial deste século. O setor mais importante na geração de emprego e renda na sociedade moderna. Estamos muito atrasados na compreensão do que esses setores da economia criativa representam no mundo hoje. Aqui, isso ainda é visto como algo circunscrito à cultura ou às políticas de inclusão social. Muito diferente dos países que estão levando a sério, entre eles a Inglaterra e a China, que colocou o tema no seu plano quinquenal. Esse é um tema de campanha, era o que devia estar sendo discutido, porque é isso que vai definir o futuro da cidade."

Mesmo entre representantes do setor público, reconhece-se a timidez do setor. "A cultura ainda não entrou na agenda política", acredita o secretário municipal de Cultura, Carlos Augusto Calil, que completará oito anos no cargo. "Aqui, a área ocupa um lugar tão inexpressivo que não é levada em conta nas propostas de planejamento. O que foi feito na Colômbia, com a criação de grandes bibliotecas, ou na Venezuela, que tem um projeto musical de nível internacional, só aconteceu porque se tratava de um projeto de governo e não apenas dos órgãos da cultura."

Mesmo sem receber os incentivos devidos, São Paulo tem alguns dados surpreendentes a exibir. Conta, por exemplo, com 869 livrarias, número de lojas superior ao de Londres, que tem 802, ou Nova York, com 750. Outra surpresa: seus cinemas recebem cerca de 50 milhões de espectadores, deixando centros como Tóquio, Londres, Berlim e Cingapura para trás.

Os resultados, porém, não são da mesma magnitude quando se trata de infraestrutura. E dão a impressão de que não temos espaços suficientemente equipados para dar conta nem da demanda nem da oferta de atividades culturais. Mesmo com tanto público nos cinemas, só existem 282 telas na cidade. Patamar bastante inferior não apenas ao dos grandes centros europeus, mas abaixo também de metrópoles emergentes, como Johannesburgo, com 368, e Xangai, com 670. Com apenas uma biblioteca para cada 100 mil habitantes, só não perdemos para Mumbai, Cingapura e Istambul.

Já no caso dos teatros, a situação não melhora muito. Com 116 salas, ficamos bem atrás de cidades como Paris, com 353. "A maioria das cidades tem planos ambiciosos de desenvolver sua infraestrutura cultural, sem saber como garantir que essas facilidades atraiam as suas populações", acredita Paul Owens. "A impressão é de que São Paulo enfrenta o problema exatamente oposto. Muita demanda e oferta insuficiente. Será que essa não é uma situação que outras cidades deveriam invejar?"

Pode até ser. "Existe uma imensa demanda reprimida", aponta o secretário de Cultura. "Cada novo mínimo acréscimo é absorvido, cada mesa que colocamos a mais em uma biblioteca é imediatamente ocupada. É justamente a existência dessa demanda que nos alimenta."

Se existe um imenso público ávido por consumir cultura, também não falta uma parcela considerável que ambiciona criar. "O interessante é que, em São Paulo, a infraestrutura da cultura não está em todos os lugares. Mas a criação pode ser vista por toda parte. O grafite, por exemplo, é uma forma de arte que acontece de maneira informal, mas está se tornando cada vez mais e mais importante", acredita Matthieu Prin, um dos pesquisadores da BOP Consulting que participou do estudo.

Tudo isso não quer dizer, ele ressalva, que se possa prescindir de questões estruturais. "Infraestrutura é o meio de expor essa criatividade. Se ela não existe, as pessoas terão que achar outras formas de exibir seu potencial. Mas isso não significa que criatividade seja mais importante do que a estrutura."

Para a economista Lidia Goldenstein, não bastasse ser imenso, o problema exige uma visão que concilie a tradição e as inovações. "A gente ficou 30 anos sem investir em estrutura. Agora, não dá para só correr atrás do prejuízo sem investir no novo. O mundo não espera. O nosso problema é que temos que investir na estrutura do velho paradigma: sala de teatro convencional, sala de cinema. E a gente também tem que construir a infraestrutura do novo paradigma, que é banda larga."

O peso econômico dos setores criativos já seria argumento mais do que suficiente para justificar mais investimentos e políticas. "O setor 'videogames e efeitos especiais' representa para o século 21 o que a indústria automobilística foi para o século 20", lembra Lidia.

Nas metrópoles, contudo, cultura e arte podem desempenhar ainda um outro papel. "A dimensão não material da cultura parece ser mais forte a cada dia. E se torna particularmente importante se considerarmos os imensos desafios sociais que essas grandes cidades enfrentam", observa Paul Owens.

Obviamente, a cultura não pode ser vista como a panaceia para todos os problemas sociais, lembra Matthieu Prin. "Não é uma solução mágica. Não acaba com a pobreza. Tem que estar aliada a outros projetos." Mas, nos países da América do Sul, ela pode ter uma dupla utilidade: extrapola a propalada capacidade de revitalizar áreas degradadas (expediente usado em ampla escala na Europa). Pode tornar-se um importante mecanismo em regiões que não chegaram sequer a ser urbanizadas. "Se você anda pela periferia, fica muito claro como a cultura é uma proposta de urbanização", afirma Calil. "A maior necessidade das pessoas em uma cidade maltratada como a nossa, em que não existem praças ou parques, é por espaços em que possam conviver, estar juntas. Tenho convicção de que aqui esse é o maior papel que a cultura pode cumprir."