Entrevista de Daniel Salles originalmente publicada na revista Época São Paulo em 16 de abril de 2013.
O diretor do Museu de Arte Contemporânea fala sobre as
vantagens e os desafios da ligação com a USP e explica por que a nova
sede ainda está praticamente vazia
O mandato de Tadeu Chiarelli como diretor do Museu de Arte
Contemporânea da USP (MAC-USP) coincidiu com um dos capítulos mais
importantes da instituição. Empossado em 2010, coube a ele comandar a
esperada transferência para a nova sede, o antigo prédio do Detran, no
Ibirapuera. Reinaugurado, no entanto, em janeiro de 2012, após uma
reforma que custou R$ 76 milhões, o edifício projetado por Oscar
Niemeyer ainda está praticamente vazio. Dos sete andares, apenas o
térreo e o mezanino abrigam obras – a maioria doada ao MAC na gestão de
Chiarelli. Uma construção anexa acolhe desde 9 de março duas mostras
temporárias.
A razão para a demora da ocupação do resto do prédio é a falta de um
sistema de segurança adequado, crucial para proteger uma das mais
importantes coleções de arte do Brasil. Criado em 1963, o museu tem mais
de 10 mil obras assinadas por nomes como Pablo Picasso, Amedeo
Modigliani e Tarsila do Amaral. “Não posso levar uma tela de Picasso
para um prédio inseguro”, afirma Chiarelli. Apenas o sétiMo andar está
funcionando, com as exposições o Antes, o Agora: uma síntese do acervo
do MAC-USP, com 85 joias do acervo, e Di Humanista, com 67 obras do
pintor Di Cavalcanti. Um sistema provisório foi desenhado para garantir a
segurança das peças.
Paulista de Ribeirão Preto, Chiarelli é crítico de arte e professor
da Escola de Comunicação e Artes da USP. Entre 1996 e 2000, como
curador-chefe do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), ajudou a
torná-lo uma das instituições culturais mais relevantes do país. Ele
falou a Época SÃO PAULO no térreo do MAC. Mais de uma vez interrompeu a
entrevista. Não por descortesia, mas para cumprimentar visitantes e
ouvir a opinião deles sobre o museu.
O que falta para ocupar completamente a nova sede do MAC?
O último compromisso da Secretaria de Cultura, que doou e reformou o
antigo prédio do Detran, construído em 1954, é a instalação de todo o
sistema de segurança do museu. Inclui desde catracas e câmeras de TV até
computadores e os walkie-talkies dos funcionários. É um projeto
vultoso, que demandou uma licitação. Cinco ou seis tentativas foram
feitas em 2012. Em vão. A última foi questionada na Justiça em outubro
por uma das empresas interessadas. O julgamento, porém, ocorreu em
fevereiro. E o jogo recomeçou só no dia 19 de março. Em janeiro, no
entanto, decidiu-se que a total ocupação do museu, que completa 50 anos
neste ano, vai ocorrer de qualquer jeito. No dia 6 de abril inauguramos o
sétimo andar com um esquema de segurança montado pela USP exclusivo
para as obras ali expostas. A estratégia será replicada no sexto andar
em maio, caso a licitação ainda estiver emperrada. E no mês seguinte no
piso de baixo, e daí por diante. Se nada der errado, o museu estará 100%
ocupado em outubro. Os prazos para a conclusão do estacionamento, da
cafeteria e do restaurante, na cobertura, são incertos, pois dependem de
outras licitações.
O acervo completo do MAC caberá no prédio novo?
Quando fui contar as obras selecionadas para a mostra do sétimo andar,
levei um susto. São pouco mais de 80 (risos). Isso porque há várias
peças muito grandes. E que demandam um entorno livre para o que público
possa apreciá-las. No total, vai dar para expor ao mesmo tempo cerca de 2
mil das mais de 10 mil obras do acervo. A realidade da maioria dos
museus é parecida. O que é bacana, pois permite que as exposições mudem
com frequência e o público volte mais vezes. E, vamos combinar, 2 mil
obras não é pouca coisa.
Quais peças são mais significativas?
Resisto muito a responder isso. Porque temos várias obras excelentes. O
único autorretrato do Amedeo Modigliani, um dos artistas mais aclamados
do século XX, está aqui. Temos trabalhos de Pablo Picasso, de Giorgio de
Chirico… Mas não vou simplesmente ratificar o valor desses artistas.
Minha intenção é mostrar as obras deles ao lado de nomes da nova
geração, para que o público possa compará-los.
O que é mais complicado, dirigir o MAC ou o MAM?
Comandar o MAC é mais complexo. Por ser ligado ao Estado e a uma
universidade pública, a burocracia é imensa. Um exemplo do que isso
significa: uma coletânea de textos de alunos da USP sobre obras do museu
foi concluída em setembro e ainda não pôde ser publicada. Por que, se
eu tenho dinheiro para isso? Porque há uma regra que me proíbe de lançar
um livro agora, um catálogo amanhã e um folder daqui a uma semana. Devo
juntar tudo para usar a verba destinada a publicações, que é de R$ 8
mil, de uma só vez. Logo a coletânea vai ficar para o próximo semestre,
para coincidir com a conclusão de outros livros. Outro entrave: não
posso buscar doações a qualquer hora. A solução é esperar ocorrer uma
exposição que inclua uma verba para a coleta de obras e aproveitar para
recolher as doações. Pode levar meses. É isso ou abrir um pregão. Num
museu como o MAM, onde não é preciso prestar conta de gastos, a
agilidade é muito maior.
Se pudesse mudar as regras do jogo, o que alteraria no estatuto do MAC?
Um problema que não consegui solucionar é a proibição de comprar obras
de arte. Essa regra é absurda. Para uma instituição como essa, ampliar o
acervo com produções novas é importantíssimo. Muita gente acha que arte
contemporânea boa é a que está nas galerias. Não é verdade, pois muitos
bons nomes ficam de fora. Mas estou de mãos atadas, pois a USP e o
governo estadual não entendem que não dá para abrir um pregão para
comprar obras de arte. As peças escolhidas devem ser as melhores, e não
as mais baratas. O que o MAC pode fazer é criar uma lista de obras de
seu interesse e chancelá-la no Ministério da Cultura. Com isso, a
associação de amigos do museu, composta por voluntários, pode ir à campo
atrás de doações para comprar essas obras. O que mais tenho feito, no
entanto, é pedir doações a artistas, galeristas e colecionadores. A
quantidade de nãos que recebi é ínfima (na gestão de Chiarelli,115 peças
foram doadas ao MAC). As pessoas se sentem muito honradas de fazer
parte do museu.
Há alguma vantagem na ligação do museu com a USP?
Sim, claro. A principal delas é me permitir expor só o que quero e a
hora que quero. Não preciso fazer mostras arrasa-quarteirões, aquelas
que atraem muita gente, não necessariamente pela qualidade, apenas para
agradar patrocinadores e pagar a conta de água. Isso está garantido pela
USP. Volta e meia recebo e-mails assim: “Prezado professor, estamos
lançando um carro e gostaríamos de alugar o térreo e o entorno do
edifício”. São propostas ofensivas. Implicam retirar todas as obras que
estão em exibição pública. Felizmente, o museu sobrevive sem elas.
Poderia passar a minha vida expondo só a nossa coleção.
O MAC é mais conhecido por suas obras do período moderno. Os trabalhos contemporâneos são minoria?
O acervo inicial (criado a partir da coleção do MAM, doada à USP pelo
industrial e mecenas Ciccillo Matarazzo) obviamente é importantíssimo.
Mas o museu também formou, entre os anos 1960 e 1980, a maior coleção de
arte conceitual do país. Isso ainda não foi reconhecido. Só do
português Artur Barrio, um artista superbadalado internacionalmente,
temos seis ou sete obras. (Chiarelli interrompe a entrevista para
abordar três visitantes que se encaminham para a saída: “Vocês viram a
exposição do Carlito Carvalhosa e do Mauro Restiffe no prédio anexo?”.
Eles não tinham visto. “São a cereja do bolo, mas estão meio escondidas.
Voltem quando quiserem”.) Desculpe, me perdi.
Você falava sobre os exemplares da arte conceitual.
Pois então, essas obras provam que o acervo do MAC também é
contemporâneo. A partir dos 1990, no entanto, ele começou a ficar um
pouco defasado em relação ao que é produzido hoje em dia. É isso que
tenho buscado corrigir com as doações.
Quantas pessoas já visitaram a nova sede do MAC?
Recebemos uma média de 26 pessoas por hora (o saldo de 2012 foi de
21.890 visitantes). Para um museu que ainda está em fase de implantação,
isso é mais do que fantástico.
Desanima saber que o Masp recebeu 851 mil visitantes no ano passado?
Bater recorde de visitação não me preocupa. Nem à universidade. Não
estou dizendo que não quero receber mais gente. Mas o foco é garantir
que o público volte. A maneira de fazer isso é enfatizar a coleção
permanente. Para encher isso aqui de gente, bastaria organizar
exposições arrasa-quarteirões de tempos em tempos. Mas isso nos
transformaria num mero espaço de lazer, como um shopping ou uma feirinha
de artesanato. O museu também pode ser considerado um espaço de lazer.
Mas ele é acima de tudo um local de discussão. Sem essa pretensão,
melhor entregar os pontos e fazer outra coisa.
Seu mandato termina em abril do ano que vem. Não te aflige a hipótese de sair antes de concluir a ocupação?
Sinceramente, sabe que não? Por mais que goste daqui, acho que está
chegando a hora de passar o posto. Me vejo como uma parte de uma cadeia.
Dois ex-professores meus da Escola de Comunicação e Artes da USP
dirigiram o MAC, o Walter Zanini, já falecido, e o Teixeira Coelho, hoje
à frente do Masp. Considero vários de meus alunos, hoje na faixa dos 30
anos, como sucessores em potencial. Contribuí com o que pude. Agora
estou doido para voltar a estudar.
Como foi trabalhar com a Milú Villela, presidente do MAM desde 1994?
Hoje é impossível falar sobre a história da arte brasileira sem citar o
MAM. Trabalhei muito para isso, mas jamais teria conseguido sem a Milú.
Ela é uma das pessoas mais generosas que conheci. O Brasil seria um país
bem melhor se existissem por aqui outras 15 pessoas como ela.