segunda-feira, 22 de abril de 2013

Tadeu Chiarelli: “O MAC não precisa de mostras arrasa-quarteirões” por Daniel Salles, Época São Paulo

Entrevista de Daniel Salles originalmente publicada na revista Época São Paulo em 16 de abril de 2013.
O diretor do Museu de Arte Contemporânea fala sobre as vantagens e os desafios da ligação com a USP e explica por que a nova sede ainda está praticamente vazia

O mandato de Tadeu Chiarelli como diretor do Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC-USP) coincidiu com um dos capítulos mais importantes da instituição. Empossado em 2010, coube a ele comandar a esperada transferência para a nova sede, o antigo prédio do Detran, no Ibirapuera. Reinaugurado, no entanto, em janeiro de 2012, após uma reforma que custou R$ 76 milhões, o edifício projetado por Oscar Niemeyer ainda está praticamente vazio. Dos sete andares, apenas o térreo e o mezanino abrigam obras – a maioria doada ao MAC na gestão de Chiarelli. Uma construção anexa acolhe desde 9 de março duas mostras temporárias.
A razão para a demora da ocupação do resto do prédio é a falta de um sistema de segurança adequado, crucial para proteger uma das mais importantes coleções de arte do Brasil. Criado em 1963, o museu tem mais de 10 mil obras assinadas por nomes como Pablo Picasso, Amedeo Modigliani e Tarsila do Amaral. “Não posso levar uma tela de Picasso para um prédio inseguro”, afirma Chiarelli. Apenas o sétiMo andar está funcionando, com as exposições o Antes, o Agora: uma síntese do acervo do MAC-USP, com 85 joias do acervo, e Di Humanista, com 67 obras do pintor Di Cavalcanti. Um sistema provisório foi desenhado para garantir a segurança das peças.
Paulista de Ribeirão Preto, Chiarelli é crítico de arte e professor da Escola de Comunicação e Artes da USP. Entre 1996 e 2000, como curador-chefe do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), ajudou a torná-lo uma das instituições culturais mais relevantes do país. Ele falou a Época SÃO PAULO no térreo do MAC. Mais de uma vez interrompeu a entrevista. Não por descortesia, mas para cumprimentar visitantes e ouvir a opinião deles sobre o museu.
O que falta para ocupar completamente a nova sede do MAC?
O último compromisso da Secretaria de Cultura, que doou e reformou o antigo prédio do Detran, construído em 1954, é a instalação de todo o sistema de segurança do museu. Inclui desde catracas e câmeras de TV até computadores e os walkie-talkies dos funcionários. É um projeto vultoso, que demandou uma licitação. Cinco ou seis tentativas foram feitas em 2012. Em vão. A última foi questionada na Justiça em outubro por uma das empresas interessadas. O julgamento, porém, ocorreu em fevereiro. E o jogo recomeçou só no dia 19 de março. Em janeiro, no entanto, decidiu-se que a total ocupação do museu, que completa 50 anos neste ano, vai ocorrer de qualquer jeito. No dia 6 de abril inauguramos o sétimo andar com um esquema de segurança montado pela USP exclusivo para as obras ali expostas. A estratégia será replicada no sexto andar em maio, caso a licitação ainda estiver emperrada. E no mês seguinte no piso de baixo, e daí por diante. Se nada der errado, o museu estará 100% ocupado em outubro. Os prazos para a conclusão do estacionamento, da cafeteria e do restaurante, na cobertura, são incertos, pois dependem de outras licitações.
O acervo completo do MAC caberá no prédio novo?
Quando fui contar as obras selecionadas para a mostra do sétimo andar, levei um susto. São pouco mais de 80 (risos). Isso porque há várias peças muito grandes. E que demandam um entorno livre para o que público possa apreciá-las. No total, vai dar para expor ao mesmo tempo cerca de 2 mil das mais de 10 mil obras do acervo. A realidade da maioria dos museus é parecida. O que é bacana, pois permite que as exposições mudem com frequência e o público volte mais vezes. E, vamos combinar, 2 mil obras não é pouca coisa.
Quais peças são mais significativas?
Resisto muito a responder isso. Porque temos várias obras excelentes. O único autorretrato do Amedeo Modigliani, um dos artistas mais aclamados do século XX, está aqui. Temos trabalhos de Pablo Picasso, de Giorgio de Chirico… Mas não vou simplesmente ratificar o valor desses artistas. Minha intenção é mostrar as obras deles ao lado de nomes da nova geração, para que o público possa compará-los.
O que é mais complicado, dirigir o MAC ou o MAM?
Comandar o MAC é mais complexo. Por ser ligado ao Estado e a uma universidade pública, a burocracia é imensa. Um exemplo do que isso significa: uma coletânea de textos de alunos da USP sobre obras do museu foi concluída em setembro e ainda não pôde ser publicada. Por que, se eu tenho dinheiro para isso? Porque há uma regra que me proíbe de lançar um livro agora, um catálogo amanhã e um folder daqui a uma semana. Devo juntar tudo para usar a verba destinada a publicações, que é de R$ 8 mil, de uma só vez. Logo a coletânea vai ficar para o próximo semestre, para coincidir com a conclusão de outros livros. Outro entrave: não posso buscar doações a qualquer hora. A solução é esperar ocorrer uma exposição que inclua uma verba para a coleta de obras e aproveitar para recolher as doações. Pode levar meses. É isso ou abrir um pregão. Num museu como o MAM, onde não é preciso prestar conta de gastos, a agilidade é muito maior.
Se pudesse mudar as regras do jogo, o que alteraria no estatuto do MAC?
Um problema que não consegui solucionar é a proibição de comprar obras de arte. Essa regra é absurda. Para uma instituição como essa, ampliar o acervo com produções novas é importantíssimo. Muita gente acha que arte contemporânea boa é a que está nas galerias. Não é verdade, pois muitos bons nomes ficam de fora. Mas estou de mãos atadas, pois a USP e o governo estadual não entendem que não dá para abrir um pregão para comprar obras de arte. As peças escolhidas devem ser as melhores, e não as mais baratas. O que o MAC pode fazer é criar uma lista de obras de seu interesse e chancelá-la no Ministério da Cultura. Com isso, a associação de amigos do museu, composta por voluntários, pode ir à campo atrás de doações para comprar essas obras. O que mais tenho feito, no entanto, é pedir doações a artistas, galeristas e colecionadores. A quantidade de nãos que recebi é ínfima (na gestão de Chiarelli,115 peças foram doadas ao MAC). As pessoas se sentem muito honradas de fazer parte do museu.
Há alguma vantagem na ligação do museu com a USP?
Sim, claro. A principal delas é me permitir expor só o que quero e a hora que quero. Não preciso fazer mostras arrasa-quarteirões, aquelas que atraem muita gente, não necessariamente pela qualidade, apenas para agradar patrocinadores e pagar a conta de água. Isso está garantido pela USP. Volta e meia recebo e-mails assim: “Prezado professor, estamos lançando um carro e gostaríamos de alugar o térreo e o entorno do edifício”. São propostas ofensivas. Implicam retirar todas as obras que estão em exibição pública. Felizmente, o museu sobrevive sem elas. Poderia passar a minha vida expondo só a nossa coleção.
O MAC é mais conhecido por suas obras do período moderno. Os trabalhos contemporâneos são minoria?
O acervo inicial (criado a partir da coleção do MAM, doada à USP pelo industrial e mecenas Ciccillo Matarazzo) obviamente é importantíssimo. Mas o museu também formou, entre os anos 1960 e 1980, a maior coleção de arte conceitual do país. Isso ainda não foi reconhecido. Só do português Artur Barrio, um artista superbadalado internacionalmente, temos seis ou sete obras. (Chiarelli interrompe a entrevista para abordar três visitantes que se encaminham para a saída: “Vocês viram a exposição do Carlito Carvalhosa e do Mauro Restiffe no prédio anexo?”. Eles não tinham visto. “São a cereja do bolo, mas estão meio escondidas. Voltem quando quiserem”.) Desculpe, me perdi.
Você falava sobre os exemplares da arte conceitual.
Pois então, essas obras provam que o acervo do MAC também é contemporâneo. A partir dos 1990, no entanto, ele começou a ficar um pouco defasado em relação ao que é produzido hoje em dia. É isso que tenho buscado corrigir com as doações.
Quantas pessoas já visitaram a nova sede do MAC?
Recebemos uma média de 26 pessoas por hora (o saldo de 2012 foi de 21.890 visitantes). Para um museu que ainda está em fase de implantação, isso é mais do que fantástico.
Desanima saber que o Masp recebeu 851 mil visitantes no ano passado?
Bater recorde de visitação não me preocupa. Nem à universidade. Não estou dizendo que não quero receber mais gente. Mas o foco é garantir que o público volte. A maneira de fazer isso é enfatizar a coleção permanente. Para encher isso aqui de gente, bastaria organizar exposições arrasa-quarteirões de tempos em tempos. Mas isso nos transformaria num mero espaço de lazer, como um shopping ou uma feirinha de artesanato. O museu também pode ser considerado um espaço de lazer. Mas ele é acima de tudo um local de discussão. Sem essa pretensão, melhor entregar os pontos e fazer outra coisa.
Seu mandato termina em abril do ano que vem. Não te aflige a hipótese de sair antes de concluir a ocupação?
Sinceramente, sabe que não? Por mais que goste daqui, acho que está chegando a hora de passar o posto. Me vejo como uma parte de uma cadeia. Dois ex-professores meus da Escola de Comunicação e Artes da USP dirigiram o MAC, o Walter Zanini, já falecido, e o Teixeira Coelho, hoje à frente do Masp. Considero vários de meus alunos, hoje na faixa dos 30 anos, como sucessores em potencial. Contribuí com o que pude. Agora estou doido para voltar a estudar.
Como foi trabalhar com a Milú Villela, presidente do MAM desde 1994?
Hoje é impossível falar sobre a história da arte brasileira sem citar o MAM. Trabalhei muito para isso, mas jamais teria conseguido sem a Milú. Ela é uma das pessoas mais generosas que conheci. O Brasil seria um país bem melhor se existissem por aqui outras 15 pessoas como ela.

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