Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 19 de maio de 2013.
Mesmo que o centro de São Paulo seja cheio de museus e galerias de
arte, como a Pinacoteca do Estado, o Centro Cultural Banco do Brasil e a
Caixa Cultural, a Virada Cultural deste ano levou para as ruas uma
série de intervenções artísticas luminosas e chamativas.
No vale do Anhangabaú, onde se concentrou boa parte delas, o grupo
Bijari construiu uma ponte metálica forrada de luzes vermelhas e
brancas. Quanto mais gente atravessasse de um lado para o outro, mais
vermelha ela deveria ficar, respondendo ao fluxo intenso do movimento na
Virada.
"É experimentar a arquitetura com o corpo", resume Rodrigo Brandão, um
dos integrantes do Bijari. "Esse corte no percurso entre o vale do
Anhangabaú e a avenida São João é um erro urbanístico. Quisemos criar
aqui um atalho."
Embora o atalho funcionasse na hora de cortar caminho, não ficou tão
clara a dinâmica das cores. Na noite de sábado, a ponte parecia piscar
de forma aleatória, como uma árvore de Natal desregulada, sem responder
de fato aos estímulos de quem passava por ali. De qualquer forma, servia
para iluminar uma cicatriz do tecido urbano da cidade, o vale que, em
vez de abrigar o movimento que recebe na Virada, costuma estar
abandonado e escuro.
Outro ponto do projeto era lembrar que, por baixo do asfalto do vale,
passa o rio Anhangabaú canalizado, como se os artistas despertassem ali
parte da memória da cidade. "Isso lida um pouco com a opacidade de São
Paulo, como as coisas são desqualificadas e requalificadas", diz Giselle
Beiguelman, curadora de artes visuais desta Virada. "Misturar tudo isso
aqui era um desafio interessante."
Mais adiante, também no Anhangabaú, pessoas faziam fila para entrar em
duas cabines, uma com luzes azuis e outra avermelhada, para conversar
on-line com alguém que entrasse na cabine em frente, com o detalhe que
toda a conversa seria projetada em tempo real na empena cega de um
prédio.
"É diferente, parece que mistura a internet com uma construção de
relacionamentos", diz a enfermeira Letícia Silva, que saía de uma
cabine. "Você está isolado e ao mesmo tempo exposto, mas não dá tempo de
dizer muita coisa em cinco minutos, é só uma apresentação."
Na mesma pegada de identificar rostos no anonimato da multidão, outro
projeto estampava na fachada do prédio da prefeitura um monte de gente
fazendo gracinhas diante da câmera. Eram imagens que revezavam com a
visão de onomatopeias de histórias em quadrinhos também exibidas ali,
sem muito nexo.
Enquanto alguns projetos focavam o rosto de quem passava pela Virada,
outro quis mostrar o que pensam. Numa empena cega do Anhangabaú, imagens
garimpadas do Google eram projetadas de acordo com palavras-chave
enviadas pelos frequentadores da festa via celular.
Bastaram cinco minutos diante da obra para ver que muita gente tinha
fixação por passistas de escola de samba, o ministro do Supremo Tribunal
Federal Joaquim Barbosa, Lady Gaga, beijos entre pessoas do mesmo sexo,
Raul Seixas, Marilyn Monroe e Lady Di.
"Sempre tem jogadores de futebol, lugares bonitos, artistas, músicos",
diz Rachel Rosalen, artista que assina o projeto já apresentado em Roma,
no Rio, em Basileia e Natal, com Rafael Marchetti. "Estávamos com muita
expectativa para ver o que aconteceria aqui."
Algumas quadras distante dali, no Palácio da Justiça, uma instalação
menos tecnológica chamava atenção. Na sala dos Passos Perdidos, onde
acusados aguardam a sentença que será proferida pelo júri, os artistas
Rejane Cantoni, Leonardo Crescenti e Raquel Kogan instalaram placas de
plástico espelhado que criam um reflexo parecido com uma superfície
aquática na arquitetura rígida de Ramos de Azevedo, que projetou o
prédio público.
"É aquela luz que você vê quando está dentro de uma piscina", diz
Cantoni. "Ela tem esse ar de piscina congelada, é uma máquina ótica",
completa Crescenti. Em turnos de 50 pessoas, e depois de passar por
detectores de metal, o público podia se jogar nas placas de plástico.
Por volta das 21h deste sábado (18), muitos davam cambalhotas, fingiam
mergulhar e treinavam passinhos de dança sobre o tablado de água de
mentira. "O que é mais legal é eles se apropriarem de um prédio que as
pessoas não conhecem", dizia o jornalista Paco Sampaio, deitado sobre a
obra. "É algo bonito e ao mesmo tempo poético", acrescentou seu amigo, o
cenógrafo Tobias Nunnes.
Pelo menos até 22h do sábado, era possível visitar todas as instalações
de artes visuais da Virada Cultural sem tumultos ou qualquer
dificuldade. Ruas no trajeto estavam limpas e sem sinal de problemas com
segurança.
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