Matéria de Maria Eugênia de Menezes
originalmente publicada no caderno Cultura do jornal Estadão de S. Paulo em 4
de setembro de 2012.
São Paulo é a única representante
latina, mas enfrenta o desafio de melhorar sua infraestrutura
Quais são as capitais culturais do
mundo? A resposta correta inclui escolhas óbvias. Nenhuma cidade tem tantos
cinemas quanto Paris. Ninguém possui tantos museus quanto Londres. E Nova York
continua imbatível quando se trata de teatro. Os dados estão no World Cities
Culture Report. Maior estudo do gênero já publicado, o relatório confirma o
protagonismo dos grandes centros. Insinua, porém, que essa história começa a
ganhar novos e importantes personagens.
Se na economia o poder está mudando
de mãos, na área cultural a tônica também não é diferente. A pesquisa elege 12
cidades em todos os continentes e torna evidente que as potências da cultura e
da arte não estão mais apenas nos Estados Unidos e na Europa. Além das
onipresentes Londres, Paris, Berlim e Nova York, aparecem na lista Tóquio,
Istambul, Johannesburgo, Xangai, Sydney, Cingapura, Mumbai e São Paulo. A
capital paulista é a única representante da América Latina nesse panorama.
"As cidades emergentes estão inventando um perfil cultural próprio, que
não é o mesmo das cidades europeias e americanas", diz Paul Owens, diretor
da BOP Consulting, empresa britânica de consultoria que realizou a pesquisa.
Encomendado pela prefeitura de
Londres e divulgado em agosto, o estudo mede 60 indicativos nas áreas de
literatura, cinema, artes visuais, artes do espetáculo e em setores novos, como
o de games.
Com os dados aferidos em mãos, é
possível traçar uma infinidade de rankings. Mas os organizadores frisam que não
é essa a intenção. Não se trata de saber quem detém os números mais robustos ou
exerce maior influência no universo das artes. "As cidades sempre
investiram em cultura por razões de prestígio, para mostrar poder político ou
sucesso econômico. Esse era o modelo de desenvolvimento próprio das cidades americanas
e europeias no século 19", apontou Owens em entrevista ao Estado.
Hoje, os investimentos em arte não
são para exibir pujança econômica. Mas para gerá-la. Essa não é uma ideia nova.
Ganhou força no fim do século 20. A atual pesquisa, entretanto, expande e
confirma a impressão. Mostra resultados consistentes em cidades como Londres,
onde o setor movimenta £ 12 bilhões e emprega 386 mil pessoas. Também deixa no
ar a impressão de que, apesar do potencial, São Paulo ainda tem muito a fazer.
"Ao se ver essas questões sob
o ângulo restrito apenas ao da cultura, está se perdendo a chance de perceber o
impacto que isso pode ter em uma economia do tamanho da cidade de São
Paulo", aponta a economista Lidia Goldenstein, especializada em economia
criativa. "É a política industrial deste século. O setor mais importante
na geração de emprego e renda na sociedade moderna. Estamos muito atrasados na
compreensão do que esses setores da economia criativa representam no mundo
hoje. Aqui, isso ainda é visto como algo circunscrito à cultura ou às políticas
de inclusão social. Muito diferente dos países que estão levando a sério, entre
eles a Inglaterra e a China, que colocou o tema no seu plano quinquenal. Esse é
um tema de campanha, era o que devia estar sendo discutido, porque é isso que
vai definir o futuro da cidade."
Mesmo entre representantes do setor
público, reconhece-se a timidez do setor. "A cultura ainda não entrou na
agenda política", acredita o secretário municipal de Cultura, Carlos
Augusto Calil, que completará oito anos no cargo. "Aqui, a área ocupa um
lugar tão inexpressivo que não é levada em conta nas propostas de planejamento.
O que foi feito na Colômbia, com a criação de grandes bibliotecas, ou na
Venezuela, que tem um projeto musical de nível internacional, só aconteceu
porque se tratava de um projeto de governo e não apenas dos órgãos da
cultura."
Mesmo sem receber os incentivos
devidos, São Paulo tem alguns dados surpreendentes a exibir. Conta, por
exemplo, com 869 livrarias, número de lojas superior ao de Londres, que tem
802, ou Nova York, com 750. Outra surpresa: seus cinemas recebem cerca de 50
milhões de espectadores, deixando centros como Tóquio, Londres, Berlim e
Cingapura para trás.
Os resultados, porém, não são da
mesma magnitude quando se trata de infraestrutura. E dão a impressão de que não
temos espaços suficientemente equipados para dar conta nem da demanda nem da
oferta de atividades culturais. Mesmo com tanto público nos cinemas, só existem
282 telas na cidade. Patamar bastante inferior não apenas ao dos grandes
centros europeus, mas abaixo também de metrópoles emergentes, como
Johannesburgo, com 368, e Xangai, com 670. Com apenas uma biblioteca para cada
100 mil habitantes, só não perdemos para Mumbai, Cingapura e Istambul.
Já no caso dos teatros, a situação
não melhora muito. Com 116 salas, ficamos bem atrás de cidades como Paris, com
353. "A maioria das cidades tem planos ambiciosos de desenvolver sua
infraestrutura cultural, sem saber como garantir que essas facilidades atraiam
as suas populações", acredita Paul Owens. "A impressão é de que São
Paulo enfrenta o problema exatamente oposto. Muita demanda e oferta
insuficiente. Será que essa não é uma situação que outras cidades deveriam
invejar?"
Pode até ser. "Existe uma
imensa demanda reprimida", aponta o secretário de Cultura. "Cada novo
mínimo acréscimo é absorvido, cada mesa que colocamos a mais em uma biblioteca
é imediatamente ocupada. É justamente a existência dessa demanda que nos
alimenta."
Se existe um imenso público ávido por
consumir cultura, também não falta uma parcela considerável que ambiciona
criar. "O interessante é que, em São Paulo, a infraestrutura da cultura
não está em todos os lugares. Mas a criação pode ser vista por toda parte. O
grafite, por exemplo, é uma forma de arte que acontece de maneira informal, mas
está se tornando cada vez mais e mais importante", acredita Matthieu Prin,
um dos pesquisadores da BOP Consulting que participou do estudo.
Tudo isso não quer dizer, ele
ressalva, que se possa prescindir de questões estruturais. "Infraestrutura
é o meio de expor essa criatividade. Se ela não existe, as pessoas terão que
achar outras formas de exibir seu potencial. Mas isso não significa que criatividade
seja mais importante do que a estrutura."
Para a economista Lidia
Goldenstein, não bastasse ser imenso, o problema exige uma visão que concilie a
tradição e as inovações. "A gente ficou 30 anos sem investir em estrutura.
Agora, não dá para só correr atrás do prejuízo sem investir no novo. O mundo
não espera. O nosso problema é que temos que investir na estrutura do velho
paradigma: sala de teatro convencional, sala de cinema. E a gente também tem
que construir a infraestrutura do novo paradigma, que é banda larga."
O peso econômico dos setores
criativos já seria argumento mais do que suficiente para justificar mais
investimentos e políticas. "O setor 'videogames e efeitos especiais'
representa para o século 21 o que a indústria automobilística foi para o século
20", lembra Lidia.
Nas metrópoles, contudo, cultura e
arte podem desempenhar ainda um outro papel. "A dimensão não material da
cultura parece ser mais forte a cada dia. E se torna particularmente importante
se considerarmos os imensos desafios sociais que essas grandes cidades
enfrentam", observa Paul Owens.
Obviamente, a cultura não pode ser
vista como a panaceia para todos os problemas sociais, lembra Matthieu Prin.
"Não é uma solução mágica. Não acaba com a pobreza. Tem que estar aliada a
outros projetos." Mas, nos países da América do Sul, ela pode ter uma
dupla utilidade: extrapola a propalada capacidade de revitalizar áreas
degradadas (expediente usado em ampla escala na Europa). Pode tornar-se um
importante mecanismo em regiões que não chegaram sequer a ser urbanizadas.
"Se você anda pela periferia, fica muito claro como a cultura é uma
proposta de urbanização", afirma Calil. "A maior necessidade das
pessoas em uma cidade maltratada como a nossa, em que não existem praças ou
parques, é por espaços em que possam conviver, estar juntas. Tenho convicção de
que aqui esse é o maior papel que a cultura pode cumprir."