Matéria de Marcos Augusto Gonçalves originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 15 de agosto de 2012.
E as chamas levaram "Samba", obra realizada depois da fundamental
viagem de Di Cavalcanti a Paris e três anos após a Semana de Arte
Moderna --evento que nasceu, aliás, de uma ideia do pintor.
'Samba' era obra mais 'poderosa' do modernismo, diz curador
Fogo destrói parte de coleção de arte moderna no Rio
Fogo destrói parte de coleção de arte moderna no Rio
Esse exemplo vigoroso do esforço modernista de configurar uma
expressão nacional na arte apareceu num tempo em que as peripécias mais
radicais e incomunicáveis das vanguardas eram "corrigidas" por uma onda
que se convencionou chamar de "retorno à ordem".
O movimento que revalorizava a figura vinha a calhar para os
modernistas interessados em delinear uma temática "nossa". No caso de Di
tratava-se de representar o homem, ou a mulher brasileira negra e
miscigenada, no contexto da cultura popular.
Para alguns, uma obra-prima como "Samba" não poderia estar em outro
lugar que não um museu ou uma instituição pública. Dessa forma estaria
mais protegida e acessível ao público.
Embora nem sempre nossos museus mostrem regularmente as preciosidades
que possuem, é presumível que, se estivesse num deles, a tela "Samba"
poderia ser mais vista. Quanto a ficar mais protegida, já não parece tão
certo.
A maior parte da obra do grande artista uruguaio Torres-García foi
destruída pelo fogo no Museu de Arte Moderna do Rio. E incêndios em
museus, mesmo em países ricos e que dão mais valor a seu patrimônio do
que o Brasil, também acontecem.
Diante da tragédia, não é incomum o apelo desesperado a alguma
instância salvadora que poderia evitá-la. Pode ser uma divindade
qualquer ou o Estado. Não parece razoável, contudo, que o Estado
simplesmente "tombe" ou sequestre obras de pessoas que as adquiriram,
sob o argumento de que irá cuidar melhor do patrimônio.
Em tese, colecionadores privados são os maiores interessados em
manter suas peças em boas condições. Se nem sempre o fazem, é de fato um
problema.
Outras soluções podem ser imaginadas. Por exemplo: não seria
impossível para um órgão público ou privado mapear obras cruciais como
"Samba", entrar em contato com os donos e compartilhar projetos de
segurança. É sempre possível reduzir riscos, e tudo deve ser feito nesse
sentido. Nada, porém, impedirá que fatalidades continuem a acontecer.
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