terça-feira, 14 de agosto de 2012

Paisagem ocupada


Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na seção de artes visuais da Istoé em 3 de agosto de 2012.

Em sua nova exposição individual, a artista paulistana Dora Longo Bahia dá continuidade a sua pesquisa sobre a representação da guerra e da violência pelos meios de comunicação
Imagens claras x ideias vagas – Dora Longo Bahia/ Galeria Vermelho, SP/ até 25/8

Em sua nova exposição individual, a artista paulistana Dora Longo Bahia dá continuidade a sua pesquisa sobre a representação da guerra e da violência pelos meios de comunicação. O interesse pelo tema surgiu há dois anos, quando representou em pinturas sobre chapa de metal os conflitos do Oriente Médio. Agora, nos quatro grupos de pinturas expostas em “Imagens Claras x Ideias Vagas”, a artista mergulha alguns metros mais a fundo na investigação sobre o estatuto da imagem na cultura contemporânea.
Centraliza a exposição um mural em grande escala, pintado sobre a parede, de uma estrada que atravessa uma mata. Essa paisagem, deserta e exuberante, é ladeada por duas pinturas de dimensão monumental, em que a mesma paisagem é ocupada por soldados em um tanque de guerra. Embora à primeira vista essas cenas sejam semelhantes às coreografias de soldados americanos em ação no Iraque ou no Paquistão – imagens do trabalho anterior –, as telas “Ocupação (Alemão)” e “Ocupação (Brasileira)” representam cenas de um conflito brasileiro: ocupação do Morro do Alemão, no Rio de Janeiro. A confusão não é mera coincidência. Por trás do tratamento semelhante conferido à guerra local e à guerra internacional, a artista aponta para a universalidade dos conflitos.
A grande dimensão das telas (4 m x 6 m) remete à monumentalidade da pintura histórica. O que Dora faz aqui é discutir permanência ou efemeridade de fatos jornalísticos transformados em acontecimentos históricos. “A paisagem natural é justamente a imagem mural e efêmera, que será destruída quando a exposição acabar. O que fica são as paisagens ocupadas pela guerra, que foram pintadas sobre tela”, afirma a artista.
Há um niilismo evidente aqui. O que as pinturas dizem é que a guerra prevalece no espaço e no tempo. A segunda série de pinturas, “Desastres da Guerra”, reforça a tese. Inspirada nas gravuras “Los Desastres de la Guerra”, realizadas por Francisco de Goya em 1746, a série é composta por 80 reproduções pictóricas das maiores fotografias de guerra desde o começo do século XX até o 11 de Setembro – legendadas com as frases das gravuras de Goya. “Avançamos vários séculos, mas as imagens de hoje são tão perversas quanto as de Goya”, diz Dora. Tanto no cruzamento com Goya quanto na escolha do suporte dessas pinturas – o pergaminho –, a artista mais uma vez indaga sobre a eternidade dos fatos diante da inconsistência do conhecimento que temos deles.
O título da exposição, extraído de uma cena do filme “A Chinesa”, de Jean-Luc Godard, é mais uma pista para apreender o subtexto que Dora Longo Bahia escreve sobre essas imagens extremamente fortes. São “imagens claras” os desastres que nos invadem e nos atraem diariamente pela televisão, jornais e internet. Muito mais vagas e imprecisas são as ideias que elas carregam. O pessimismo dessa exposição, portanto, não é em vão. Quando confronta as atrocidades da Espanha de Goya ao fim do sonho do soldado republicano espanhol, fotografado no momento da morte por Robert Capa em 1937, Dora produz uma fricção que desperta essas imagens do sono. Como diria Goya, do sono de uma razão que produz monstros.

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