Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na seção de artes visuais da Istoé em 3 de agosto de 2012.
Em sua nova exposição individual, a artista paulistana Dora Longo Bahia dá continuidade a sua pesquisa sobre a representação da guerra e da violência pelos meios de comunicação
Imagens claras x ideias vagas – Dora Longo Bahia/ Galeria Vermelho, SP/ até 25/8
Em sua nova exposição individual, a artista paulistana Dora Longo
Bahia dá continuidade a sua pesquisa sobre a representação da guerra e
da violência pelos meios de comunicação. O interesse pelo tema surgiu há
dois anos, quando representou em pinturas sobre chapa de metal os
conflitos do Oriente Médio. Agora, nos quatro grupos de pinturas
expostas em “Imagens Claras x Ideias Vagas”, a artista mergulha alguns
metros mais a fundo na investigação sobre o estatuto da imagem na
cultura contemporânea.
Centraliza a exposição um mural em grande escala, pintado sobre a
parede, de uma estrada que atravessa uma mata. Essa paisagem, deserta e
exuberante, é ladeada por duas pinturas de dimensão monumental, em que a
mesma paisagem é ocupada por soldados em um tanque de guerra. Embora à
primeira vista essas cenas sejam semelhantes às coreografias de soldados
americanos em ação no Iraque ou no Paquistão – imagens do trabalho
anterior –, as telas “Ocupação (Alemão)” e “Ocupação (Brasileira)”
representam cenas de um conflito brasileiro: ocupação do Morro do
Alemão, no Rio de Janeiro. A confusão não é mera coincidência. Por trás
do tratamento semelhante conferido à guerra local e à guerra
internacional, a artista aponta para a universalidade dos conflitos.
A grande dimensão das telas (4 m x 6 m) remete à monumentalidade da
pintura histórica. O que Dora faz aqui é discutir permanência ou
efemeridade de fatos jornalísticos transformados em acontecimentos
históricos. “A paisagem natural é justamente a imagem mural e efêmera,
que será destruída quando a exposição acabar. O que fica são as
paisagens ocupadas pela guerra, que foram pintadas sobre tela”, afirma a
artista.
Há um niilismo evidente aqui. O que as pinturas dizem é que a guerra
prevalece no espaço e no tempo. A segunda série de pinturas, “Desastres
da Guerra”, reforça a tese. Inspirada nas gravuras “Los Desastres de la
Guerra”, realizadas por Francisco de Goya em 1746, a série é composta
por 80 reproduções pictóricas das maiores fotografias de guerra desde o
começo do século XX até o 11 de Setembro – legendadas com as frases das
gravuras de Goya. “Avançamos vários séculos, mas as imagens de hoje são
tão perversas quanto as de Goya”, diz Dora. Tanto no cruzamento com Goya
quanto na escolha do suporte dessas pinturas – o pergaminho –, a
artista mais uma vez indaga sobre a eternidade dos fatos diante da
inconsistência do conhecimento que temos deles.
O título da exposição, extraído de uma cena do filme “A Chinesa”, de
Jean-Luc Godard, é mais uma pista para apreender o subtexto que Dora
Longo Bahia escreve sobre essas imagens extremamente fortes. São
“imagens claras” os desastres que nos invadem e nos atraem diariamente
pela televisão, jornais e internet. Muito mais vagas e imprecisas são as
ideias que elas carregam. O pessimismo dessa exposição, portanto, não é
em vão. Quando confronta as atrocidades da Espanha de Goya ao fim do
sonho do soldado republicano espanhol, fotografado no momento da morte
por Robert Capa em 1937, Dora produz uma fricção que desperta essas
imagens do sono. Como diria Goya, do sono de uma razão que produz
monstros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário